Relator da ONU vê risco de violação dos direitos humanos na crise em SP

Léo Heller participou de encontro com ONGs que criticam gestão da Sabesp e pretendem formalizar denúncia contra o governo Alckmin

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Por Fabio Leite
Atualização:

SÃO PAULO - O relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o Direito Humano à Água Potável e ao Saneamento, Léo Heller, disse que há "muitos riscos de violações dos direitos humanos" na gestão da crise hídrica em São Paulo, marcada por um racionamento informal que tem provocado longos cortes no abastecimento, em especial nas regiões mais periféricas da região metropolitana.

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"Tenho certeza de que esse é um problema muito relevante, que tem muitos riscos de violação dos direitos humanos. Não quero aqui afirmar que eles já estão sendo violados para não ser leviano, mas muitos depoimentos indicam nessa direção, e que atinge um número expressivo de pessoas e que podem ter enormes repercussões na vida dessas pessoas, em seu bem-estar, e em outros direitos humanos", afirmou Heller.

Indicado ao cargo em novembro de 2014, o engenheiro mineiro participou de um encontro na tarde de quarta-feira, 29, com integrantes da organização Aliança pela Água, que reúne 50 movimentos engajados na causa da água.

'Os depoimentos foram muito fortes. Mas não vou dizer que as violações ocorrem antes de ouvir o governo', afirmou o relator especial da ONU Léo Heller Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Heller ouviu denúncias de supostas violações dos direitos humanos na gestão da crise, como longos cortes no abastecimento e distribuição de água contaminada, e sugeriu ao grupo que reúna e comprove os relatos em um documento para que ele possa enviar uma carta de alegação ao governo brasileiro cobrando explicações. 

"Meu papel aqui não é identificar violações e afirmar taxativamente que as violações existem. Meu papel é colher informações e solicitar ao governo explicações", disse o relator da ONU, cuja função é monitorar o cumprimento dos direitos humanos em relação à água e ao saneamento ao redor do mundo."Após a manifestação do governo posso me manifestar em relação a isso. Os depoimentos foram muito fortes. Mas não vou dizer que as violações ocorrem antes de ouvir o governo." 

Professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Heller substituiu a jurista portuguesa Catarina de Albuquerque, que ocupava o posto desde 2008.

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Catarina veio ao Brasil duas vezes entre 2013 e 2014 para avaliar as condições de saneamento em várias regiões do País, incluindo São Paulo. No ano passado, ela causou revolta do governo Geraldo Alckmin (PSDB) ao dizer que ele tinha culpa na crise hídrica paulista. 

"A ONU não tem posição definida com relação a São Paulo. Houve uma manifestação da Catarina no seu relatório de 2013 e no ano passado quando ela esteve no Brasil e muitos acompanharam as repercussões indesejáveis dos seus depoimentos que eu, como sucessor de Catarina, endosso completamente", disse Heller. "Ela disse que essa crise poderia ter sido evitada se tivesse havido planejamento mais adequado. Eu continuo falando a mesma coisa."

"Estiagem não deve ser sinônimo de escassez. São dois conceitos diferentes. Estiagem é conceito das ciências naturais. E escassez conceito das ciências sociais. Então, pode ter pouca água nos cursos d'água, mas isso não necessariamente deve significar falta de água nas casas. E a forma de evitar que essas duas palavras se tornem sinônimos é um planejamento adequado, estratégico e sustentável", completou o relator da ONU.

Procuradas, a Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos e a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) não comentaram as declarações de Heller. 

Indícios. Organizadora do encontro, que ocorreu na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), na região central da capital, a urbanista Marussia Whately disse que "existem indícios de potencial violação dos direitos humanos" e que a Aliança pela Água "vai aprofundar as investigações para colher depoimentos e provas para encaminhar ao relator da ONU".

"Essa reunião é um desdobramento do pronunciamento feito em março pela Conectas na Comissão de Direitos Humanos da ONU", disse Marussia.

No mês passado, a ONG internacional em direitos humanos Conectas denunciou no conselho da ONU que a "crise sem precedentes é resultado de décadas de políticas equivocadas na gestão e conservação da água" e que as medidas tomadas pelo governo paulista "afetam a população de forma desigual".

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"Posturas de negação da existência do problema e falta de transparência tornaram-se marcas registradas da resposta política à crise em São Paulo. Há mais de um ano, centenas de milhares de pessoas têm sido afetadas por cortes inesperados no fornecimento de água", declarou a ONG. 

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