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Prefeito anuncia 'remoção total' e reacende polêmica

Tabu na cidade há 50 anos, assunto divide opiniões: Paes defende decisão 'técnica', mas líder comunitária diz que 'ninguém vai sair'. Meta de atendimento em abrigos ficou em 10%, na pág. C5

Por Felipe Werneck
Atualização:

/ RIOO prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PMDB), anunciou ontem a decisão de remover e reassentar "todos" os moradores do Morro dos Prazeres, em Santa Teresa, no centro, onde morreram 18 pessoas em deslizamentos, e no trecho do Laboriaux, na Rocinha, zona sul. "É uma decisão tomada a partir de estudos de geotecnia. Não vamos mais brincar com essa história", disse ele, que criticou "demagogos de plantão" contrários à medida. Sem informar prazos, o prefeito afirmou que vai "avançar" na questão dos reassentamentos na cidade. No caso das duas favelas, estimou que 2 mil famílias serão transferidas para local ainda não definido. "Não vou ser responsável por pessoas morrerem ou passarem o verão sem dormir." Ele afirmou que impedir novas ocupações é "linha" de seu governo. "Não vou ficar com esses urubus da política, esperando essas pessoas morrerem para que eles possam de alguma maneira se divertir." O prefeito fez o anúncio ao comentar declaração do secretário de Defesa Civil do Estado, Sérgio Côrtes, que defendera "remoção compulsória" de moradores de áreas de risco. Em janeiro, a prefeitura havia apresentado um mapeamento de áreas de risco que indicava a necessidade de remoção de 12.196 domicílios em 119 comunidades. Apenas um dos locais onde morreram as 43 vítimas da tragédia na capital estava na lista: a Rocinha (1 vítima). Segundo a Secretaria de Obras, o levantamento de janeiro era "preliminar". "Ninguém vai sair". Presidente da associação de moradores dos Prazeres, Lisa Brandão afirmou que "ninguém vai sair". " Vão jogar uma granada? O que a gente precisa é do poder público trabalhando para melhorar, e não para retirar. Isso aqui é o nosso coração. Foi conseguido com muita raça. É um absurdo." Moradora há 20 anos, ela disse que a ocupação começou na década de 1950. "A gente já tinha apontado locais com iminência de desmoronamento e até enviado ofício para entrar no PAC 2." Ontem, Paes voltou a pedir que moradores de encostas deixem as casas. Em dezembro, ele prometeu reduzir em 3,5% as áreas ocupadas por favelas até 2012. Polêmica. Remover favelas, assunto tabu no Rio desde o governo Carlos Lacerda na Guanabara (1961-1965), voltou a dividir opiniões ontem. Para o coordenador-geral do Observatório de Favelas, Jorge Luiz Barbosa, deve-se fazer o possível para, por meios técnicos, melhorar as condições de habitação nas comunidades pobres, só removendo moradores como último recurso, e para lugares próximos. Já o presidente do Clube de Engenharia, Francis Bogossian, avalia que a prioridade deve ser a segurança, porque as construções em encostas, sob chuvas, ficam sob extremo risco de desabar. "A remoção é sempre algo arbitrário", disse Barbosa. "Em situações como esta, de risco de vida, precisamos pensar não em remoção, mas em qualificar as habitações. Se não for possível ficar, que vão para lugares perto, para manter as relações de vizinhança e de parentesco e deixar as pessoas próximas dos seus locais de trabalho. E sempre negociando com a comunidade."Já Bogossian afirmou que as duas remoções anunciadas seriam "um presente para os menos desfavorecidos". "Eu não gostaria de morar lá", afirmou ele, referindo-se ao Laboriaux. O engenheiro explicou que, com a água, os parâmetros de resistência da terra "caem a zero". "A água satura o solo, aumenta o peso e anula a resistência interna", explica. Além da remoção, outra solução seria suavizar a encosta, por obras, mas isso é impossível. "Está tudo ocupado", disse.Segundo ele, há resistências às remoções porque as pessoas não sabem para onde iriam e temem ficar longe dos empregos, o que as levariam a gastar mais em transporte. "É preciso fazer a remoção para dentro da cidade, há vários locais que podem ser aproveitados", disse. "Sob ponto de vista de segurança, não tem dúvida que tem de remover." / Para entenderAté lixo afeta escoamentoSe a construção estiver em cima da "rocha-mãe", não há perigo. "Agora, se o apoio for em cima de uma pedra fissurada, pode haver deslocamento", diz Francis Bogossian. Outro fator de aumento do risco de desabamento é a falta de esgoto e coleta. "O lixo entope as valetas por onde desceria a água", declarou.Colaboraram Alfredo Junqueira, Márcia Vieira e Wilson Tosta

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