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Por que há tantos buracos em São Paulo?

Engenheiros afirmam que projetos bem executados duram até 20 anos, mas moradores e motoristas relatam que problemas voltam

Por Vitor Tavares
Atualização:
Buraco na Rua Francisco Rodrigues Nunes, na zona norte de São Paulo, permaneceu mesmo após serviço tapa-buraco. Foto: Felipe Rau/Estadão

SÃO PAULO - Quem mora em São Paulo já se acostumou a desviar dos buracos, seja quando dirige, pedala ou caminha. Entre os paulistanos, há a sensação de que o asfalto usado na cidade é de baixa qualidade, o que explicaria porque um novo buraco surge pouco tempo depois de um local ser asfaltado. Mas será que o problema está realmente no tipo de asfalto utilizado? Para tentar explicar a "colcha de retalhos" da malha viária da cidade, o Estado percorreu ruas, conversou com a população e ouviu especialistas. Se você encontra muitos buracos pelo caminho, participe do Você no Estadão (mais informações abaixo).

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Segundo os especialistas consultados, dependendo do movimento da via e da qualidade do projeto, o asfalto se mantém firme por até 20 anos. Apenas depois desse prazo é que deveriam aparecer os primeiros buracos. Para quem está acostumado em andar por São Paulo, é fácil perceber que esse tempo de sobrevivência vem se esgotando muito antes. 

Ao passar, por exemplo, pela Avenida Itaberaba, em Cachoeirinha, na zona norte, é difícil acreditar que há três anos a via recebeu asfalto novo em folha. O tempo coincide com o período em que Patrícia Dalbon trabalha como fiscal no terminal de ônibus do bairro, onde também mora. "Isso aqui nunca foi bom. É assunto que nem os motoristas falam mais, porque seria ficar repetindo sempre a mesma coisa", diz Patrícia, diante do cenário de bueiros, asfalto rachado e buracos nos cantos da rua. E mesmo locais que receberam o serviço de tapa-buraco recentemente, como a Rua Francisco Rodrigues Nunes, no Limão, também na zona norte, ainda há problemas. A reportagem esteve no local no dia 23 - um dia após o prazo dos trabalhos realizados pela Prefeitura - e encontrou a via com desnível.

A falta de projetos bem planejados em décadas e de fiscalização sobre as empresas que executam os serviços são alguns dos principais motivos apontados pelos especialistas para a "colcha de retalhos" de São Paulo. Uma obra de pavimentação deve conter ao menos três etapas básicas: seleção de materiais, dimensionamento da estrutura e execução. Em todas as fases, deve ser levado em consideração o perfil de cada via, ou seja, a quantidade de carros que circulam por ela, tipo do solo, largura e inclinação.

De acordo com a professora do programa de pós-graduação do Departamento de Engenharia de Transportes da Universidade de São Paulo (USP), Kamilla Vasconcelos, em um "serviço bem-feito", a estrutura deve durar o tempo que foi previsto para o projeto - entre 5 e 20 anos. "A aparição de buracos pode advir de um problema na concepção dessa estrutura ou por falta de manutenção."

O asfalto em si faz parte apenas da superfície de um pavimento, que tem ainda três camadas internas: a base, a sub-base e o subleito compactados. Para o professor e engenheiro civil Dickran Berberian, da Universidade de Brasília (UnB), no Brasil, o problema não está ligado ao material - nem ao solo nem o asfalto, que é produzido com base no petróleo. "O que temos como um todo são projetos baratos, que reduzem a espessura das camadas internas, que, por sua vez, são a espinha dorsal. Quando ela não aguenta, racha e começa a apresentar os buracos."

Para o engenheiro e especialista em asfaltamento João Virgílio Merighi, diretor da Latersolo, uma empresa de engenharia, a realização de uma operação tapa-buraco antes do tempo previsto indica o fracasso de um etapa - ou de todas.

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Pelas ruas de bairros como Pompeia e Perdizes, na zona oeste, no lugar dos buracos, estão as lombadas formadas pelos remendos no asfalto, principal reclamação de quem circula por ali. "Não sei o que é pior, cair no buraco ou ter de ficar passando nessas ondulações. De toda forma, a suspensão vai embora", disse o taxista Sandi Lando, que tem ponto na Rua Caraíbas, na Pompeia.

O lavador de carros Cesar Firmino já nem conta mais as vezes que vai na oficina consertar o carro - pelo menos uma vez no mês ele tem algum problema para resolver. "Sempre tenho prejuízo. Acho que nunca mais essas ruas serão lisinhas", lamenta. Cansado de cair no buraco em frente ao lava jato onde trabalha, na Rua Paris, no Sumaré, Firmino passou a colocar pedras na depressão para amenizá-la.

De acordo com Merighi, a estratégia de fazer um serviço parcial para esconder a real deficiência de uma via é utilizada em São Paulo pelo menos nos últimos 30 anos. Combinada à carência de profissionais de infraestrutura de transportes e à falta de gestão das licitações e fiscalização dos serviços, o resultado são os remendos pela cidade. "O que acontece geralmente é que a construtora entrega e, depois, logo a pista apresenta falhas e ninguém cobra o serviço ruim. Apenas vão lá e remendam o pavimento, quando o projeto deveria ser refeito inteiro."

Oficial. Nos dois primeiros anos da gestão Fernando Haddad (PT), a Prefeitura reduziu os gastos com recapeamentos em relação ao fim da administração de Gilberto Kassab (PSD). Em 2012, Kassab gastou R$ R$ 243,7 milhões. Já em 2013 e 2014, Haddad investiu, respectivamente, R$ 66,1 milhões e R$ 91,3 milhões. No ano passado, o gasto com o serviço voltou a subir: foram utilizados R$ 110 milhões para recapear 135,5 quilômetros de vias e tapar 294.419 buracos. Para este ano, a previsão é de investir R$ 200 milhões nos serviços de troca de asfalto.

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Em nota, a Prefeitura informou que a cidade possui uma malha viária de mais de 17 mil quilômetros de vias pavimentadas, sendo grande maioria com 70 anos ou mais e feita para condições pouco severas de uso. "Aos poucos, essa malha vem sendo adequada às novas e intensas solicitações de tráfego", diz a nota.

Para Merighi, o fato de São Paulo ter uma malha viária muito antiga é mais um motivo para realizar grandes investimentos em manutenção. "Épreciso saber quando determinada via já não tem como ser remediada tapando buraco." Já Berberian afirma que os problemas urbanísticos acabam sendo um entrave para projetos de longa duração. "Aqui no Brasil vão surgindo bairros, comunidades em todos os locais, sem planejamento. Então, uma rua que foi idealizada pra receber 'x' veículos passa a receber três vezes mais e não aguenta."

A Secretaria de Coordenação das Subprefeituras afirma ainda que os métodos de tapa-buraco e recapeamento das vias de São Paulo foram aperfeiçoados. Agora, é adicionada borracha à massa asfáltica, o que, segundo a Prefeitura, aumenta a durabilidade e a resistência e "minimiza efeitos do impacto e até do ruído". No caso do serviço de tapa-buraco, a Prefeitura pasosu a realizar o "requadramento", que é o recorte de 1 m² no entorno do buraco e a remoção do asfalto antigo, para que seja preenchido com material novo, evitando as "pequenas lombadas".

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Av. Eliseu de Almeida, na região do Butantã, apresenta risco aos motoristas. Foto: Felipe Rau/Estadão

Na nota, a Prefeitura diz ainda que os desníveis na via "se devem às características naturais do asfalto, que se presta justamente à pavimentação, pois é compressível, flexível, responde à temperatura sem trincar, mas, em contrapartida, pode variar na altura".

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Questionada sobre os buracos encontramos pela reportagem, a Prefeitura informou que os locais serão vistoriados pelas respectivas subprefeituras. Caso seja constatada necessidade de intervenção, eles serão incluídos na programação de tapa-buraco.

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