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Por dentro de um 'covil' da droga no interior de São Paulo

'O crack é como câncer, o imperador de todas as drogas’, relata ex-membro das Forças Armadas

Foto do author José Maria Tomazela
Por José Maria Tomazela
Atualização:

SOROCABA - Na quarta-feira, 24, a reportagem do Estado entrou em uma minicracolândia da Avenida Carlos Reinaldo Mendes. Quem passa de carro ou a pé pela avenida, principal acesso ao Centro Administrativo de Sorocaba, onde funcionam a prefeitura, a Câmara, o Fórum e a Justiça do Trabalho, nem imagina a situação em que estão mergulhadas, dentro de um galpão abandonado, de 12 a 20 pessoas, que dedicam as vidas à busca da pedra. 

'Não quero ir para a clínica, sair e voltar a usar' Foto: Epitacio Pessoa/Estadão

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A entrada é um buraco aberto no muro. O líder do “covil”, como eles chamam, é B., de 35 anos, um ex-atirador e perito em armas das Forças Armadas que, depois de fumar uma pedra, descreveu os efeitos. “As pernas começam a formigar, a boca saliva, dá tremores, a gente fica com muita força, muita energia. É preciso dar socos, chutar as paredes para aliviar.” 

Ele conta que o efeito é muito forte e, logo depois, a vontade de fumar de novo é quase irresistível. “O crack é como o câncer, o imperador de todas as drogas. Pegou, é difícil sair. Até consigo ficar sem, o que falta é um apoio. Não quero ir para uma clínica, sair e voltar a usar.”

B. tem curso superior incompleto, fala inglês e espanhol, exibe habilidades em Matemática, tem pai e um filho, mas não quer ser reconhecido. “Minha família está aqui, agora estes são meus irmãos”, diz, apontando os outros usuários. Ele ocupa um dos dois cômodos superiores no mezanino, com um banheiro entre eles - todos muito sujos. Os outros homens se distribuem em colchões e barracos montados no galpão e nos fundos do prédio. Alguns fazem “bicos” de roçagem de quintais e jardins, outros pedem dinheiro em semáforos. 

Família. S., de 23 anos, passa parte do dia na avenida, pedindo dinheiro em troca de artesanato feito com folha de coqueiro. Ele conta que o pai e os três irmãos, o mais novo com 3 anos, moram no mesmo bairro, a Vila Rica, a alguns quarteirões do “covil” e, às vezes, eles o veem no semáforo.

“Meu pai para e conversa comigo, mas meu irmão abaixa a cabeça. Eles querem que eu me interne. Nesses seis anos, já passei por várias internações e uma vez fiquei limpo alguns meses, mas, por ter cabeça fraca, tive uma recaída.” 

Ele garante que reduziu o consumo de até 36 pedras por dia, para 3 ou 4. “Um pouco foi por causa do preço da pedra, que subiu de R$ 5 para R$ 10.”

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Serviços públicos. A coordenação de Saúde Mental da prefeitura de Sorocaba informou que a cidade possui Centros de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas (Caps AD III) e Infantojuvenil (IJ) que dão atendimento integral a adultos, crianças e adolescentes com dependência química, incluindo orientação e acompanhamento dos familiares. Quando há necessidade de internação, os serviços analisam a transferência para leito de psiquiatria na Santa Casa ou no Conjunto Hospitalar de Sorocaba. 

O município não conta com vaga para internação de criança e adolescente. Está em estudo proposta de leito de psiquiatria para criança em hospital geral. A Secretaria de Igualdade e Assistência Social mantém serviços regulares de busca ativa para a identificação e assistência de pessoas em situação de rua ou usuárias de drogas, entre elas o crack, encaminhando a tratamento voluntário. 

Perfil, Rodrigo Manga, vereador (DEM)

Candidato do Republicanos, Rodrigo Manga foi o principal alvo dos adversários na disputa pela prefeitura de Sorocaba Foto: Rodrigo Manga/Facebook

De empresário a viciado. Hoje, ele preside a Câmara de Sorocaba

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Presidente da Câmara dos Vereadores de Sorocaba, Rodrigo Manga (DEM) encampou a campanha contra o crack porque sabe com que perigo está lidando. Aos 37 anos, não esconde ter sentido na própria pele o problema quando era mais jovem. “Eu me envolvi com álcool, maconha, cocaína e, depois, com outras drogas, como ecstasy e LSD. Conseguia manter um certo controle, até que cheguei ao crack. Aí fui para o fundo do poço.”

Na época, ele era um empresário bem-sucedido. “Tinha uma loja de carros e perdi tudo. Vivi a destruição da família e dos negócios.” Manga atribui a recuperação à religião. Ele recebeu apoio da Igreja Evangélica Mundial e se tornou missionário.

“Consegui me libertar dos vícios e comecei um trabalho dentro da igreja para ajudar as pessoas a saírem da droga.” 

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Com os resultados, Manga passou a ser assediado pelos políticos e foi eleito vereador, em Sorocaba, em 2012, com 4.448 votos. Quatro anos depois foi reeleito com 11.471 votos, o vereador mais votado da história da cidade. “Quero mostrar que qualquer pessoa pode sair do vício e retomar a vida, mas é preciso muito apoio”, disse.

À frente da Comissão de Dependentes Químicos da Câmara, Manga realizou o primeiro levantamento sobre o crack em 2013, quando relatou dez microcracolândias na cidade. Hoje, são 49. Entre os casos que atendeu só na semana passada estão o de uma professora da rede municipal que saía da escola e ia fumar crack; de uma garota que se prostituía por R$ 3 para comprar a pedra, e de uma mãe que trocou o filho por droga – caso levado ao Ministério Público. 

O vereador defende a internação compulsória dos dependentes, a exemplo do que propõe o prefeito de São Paulo, João Dória (PSDB), para os egressos da Cracolândia.

“É o melhor caminho para desintoxicar a pessoa, para que ela, em um segundo momento, aceite o tratamento voluntário. No auge da ‘fissura’, o indivíduo não quer se tratar porque não tem discernimento. Trata-se de medida protetiva.”

Ele defende ainda a construção, pelo Estado, de um hospital para dependentes químicos na região e alerta para uma nova droga que se dissemina no interior. “É a MD, um tipo de anfetamina de efeitos devastadores. É conhecida como cristal e usuários a levam em baladas.” 

Capão Bonito aposta em frente de trabalho

Nas ruas de Capão Bonito.Plano tem 150 pessoas trabalhando com limpeza Foto: Epitácio Pessoa/Estadão

A prefeitura de Capão Bonito, município agrícola de 48 mil habitantes, no sudoeste paulista, criou frentes de trabalho para dar ocupação a dependentes de álcool e drogas. Os 150 integrantes trabalham na limpeza de praças, ruas e parques, recebendo auxílio financeiro e atendimento na rede de saúde e assistência do município. A cidade está entre as que consideram alto o nível de problemas com crack.

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O prefeito Marcos Citadini (PTB) disse que a inclusão decorre da busca ativa dos casos. “Não escondemos o problema. Assim que identificamos o caso, vamos atrás da família e acionamos a estrutura para tentar resgatar essa pessoa.”