Os felizes da primeira Academia - também no Pátio

PUBLICIDADE

Por Crônica: Hernâni Donato
Atualização:

Os planos e os preparativos consumiram cerca de cinco anos. Nada tão alucinante fora feito e consumido até então na Colônia inteira. Foi isso entre o 15 e o 25 de agosto de 1770. É que no dia dos Reis Magos de 1765 São Paulo voltara a ser cidade capital, elevada, por fim, da humilhante incorporação à capitania do Rio. O capitão-general que lhe dera o rei - Luís Antonio de Souza Botelho Mourão, chamado o Morgado de Mateus, trazia lastro de cultura acoplado ao exercício do mando em dose excessiva. Basta ler a definição que fez do paulista: gente "do coração alto, grande e animoso", porém "de juízo grosseiro, mal limado mas de um metal muito fino". Era esse o povo a que o Morgado intentou dar maneiras e usos de refinamento europeu do mais alto nível. Organizou um programa - dez dias de festejos para aquele povo rude e pobre que pouco ou nada festejava e gastava - compreendendo "luminárias, fogos de artifício, desfile de carros alegóricos, de máscaras, bailes sérios (da elite e burlescos, do povo), missas solenes, Te Deum, concertos musicais, encenações teatrais, procissões, salvas de morteiros, cavalhadas, corrida de touros...". De imaginar-se o que foi aquela dezena na São Paulo de então. E esse muito não foi tudo o que o Morgado programou e exigiu. Entendeu que para elevar o seu domínio a um grau de quase nível Lisboa, Roma ou Paris, havendo já fogueteiros, artilheiros, músicos, toureiros e outras habilitações, faltavam - ou escasseavam... - literatos. Resolveu fundar uma Academia de Letras! Fez a primeira eleição: padres, juízes, mestres. Marcou a instalação para as 19h de 26 de agosto, 1770. E deu nome ao grêmio: Academia dos Felizes.Quantas terá havido no Brasil antes dessa? É essa outra das glórias do Pátio. Evidentemente, o Morgado foi eleito presidente e como tal saudado em português, tupi, latim, francês, italiano, espanhol. Um padre beneditino, assessorado por um carmelita e um franciscano, secretariaram o juiz. Quem fossem os acadêmicos, não se sabe. Mas sentavam-se (como também o capitão-general) "em cadeiras de espaldar, bofetes... adornados de damasco". Tudo, portanto, grandioso para esse momento inicial da atividade acadêmica. Mais grandioso - coisa de tirar o fôlego -, o programa preparado pelo Morgado e zelosamente cumprido: prolongou-se por sete horas durante as quais aplaudiram 118 trabalhos (54 sonetos, 51 epigramas, 5 décimas, 3 odes, 3 écoglas, 2 canções). Do nível daqueles acadêmicos - surpreendentes em tudo na São Paulo de 1770 -, note-se que os textos foram lidos em português, em latim, em espanhol, em francês, em italiano e em "língua de caboclo", isto é, em tupi. De imaginar-se a alegria (disfarçada, com certeza) com que os "imortais" (também por isso o recordamos aqui) de 1770 ouviram o juiz presidente sentenciar: - Está encerrada a sessão.Também isso, no Pátio "Coração de São Paulo". É ESCRITOR E MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.