Ônibus clandestinos: preço baixo e riscos

Viações ilegais atraem 45 mil passageiros por mês e faturam R$ 100 milhões com veículos precários e sem segurança

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Por Paulo Saldaña
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Um beijo no rosto e um abraço apertado. "Vai com Deus, meu filho", deseja a doméstica Aparecida Santiago, de 42 anos. Em alguns minutos, o filho Fernando, de 23, segue para Caruaru, em Pernambuco, a bordo de um ônibus da Central do Nordeste. A agência é clandestina e sua operação ocorre à margem da lei e de controles de segurança e qualidade. "É o que dá para pagar, mas ele vai chegar seguro", acredita a mãe.A agência não é a única que atua ilegalmente no transporte de passageiros. Levantamento realizado pela Viação Itapemirim identificou 101 empresas clandestinas no principais itinerários interestaduais - que incluem cidades de Minas Gerais, Bahia, Paraíba, Maranhão e Rio Grande do Sul, entre outros Estados. As empresas concessionárias oficiais são 196 - autorizadas pelo Ministério dos Transportes, com critérios de segurança, manutenção de veículos e estrutura de viagem regulamentados. Segundo a pesquisa, quase 45 mil pessoas são transportadas por mês em veículos com condições quase sempre precárias. Um mercado ilegal que significa prejuízo para o setor legalizado e riscos para quem se aventura nas viagens.A passagem de Fernando custou R$ 220, cerca de R$ 150 mais barato que um bilhete para o mesmo trajeto vendido na rodoviária. O baixo preço atrai a clientela. "O clandestino não paga impostos, não tem obrigações e oferece preços baixos. É um franco-atirador", diz o presidente da Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros, Renan Chieppe. "Ele compra um ônibus usado e não tem compromissos com qualidade nem segurança."Nas calçadas. A pesquisa aponta que essas empresas ilegais acumulam faturamento de quase R$ 100 milhões por ano. Como as informações sobre as operações clandestinas são imprecisas, o levantamento considera apenas um carro por empresa. Mas a estimativa é que o movimento seja ainda maior. "Tem empresa aqui que tem dez carros, faz viagens todos os dias", diz Roberto Júnior, que trabalha intermediando passageiros na região do Brás, no centro de São Paulo.Ruas próximas ao Largo da Concórdia e à estação de trem do Brás são os locais da cidade onde se concentram os clandestinos. Em um perímetro de quatro quarteirões, são mais de dez pequenos salões, com mesa, telefone e faixas informando os destinos. A maioria só aceita pagamento em dinheiro e à vista, mas algumas dividem no cartão em até 10 vezes.Os passageiros esperam na calçada a partida, entre malas amarradas com cadarços e caixas de papelão com roupas, compras e até comida. Os ônibus ficam em garagens nas proximidades ou em locais previamente combinados.Aos domingos, por exemplo, uma borracharia na Marginal do Tietê, próximo da Ponte do Limão, é ponto de saída para viagens a Piripiri, no Piauí. No fim do mês passado, o piauiense Rodrigo Neto, de 28 anos, esperava sentado nos calcanhares a hora de começar a viagem de volta para casa. Rodrigo e o irmão ficaram em São Paulo por três meses à procura de emprego, mas as coisas para eles estavam "muito devagar". Por R$ 180, viajariam em um ônibus de pneus carecas, com para-choques trincados e todo sujo de areia - inclusive a parte interna. "Quando eu vim, não teve problema. O motorista segue de boa", disse ele, confiante.O diretor comercial da Itapemirim, José Valmir Casagrande, afirma que os carros sujos e ilegais representam uma concorrência preocupante. "É um número de passageiros que deixa de viajar com a gente. Eles não têm a mínima condição de operar e nem os clientes sabem onde vão viajar", diz. "Pelo menos 30% do que deveria ser mercado nosso está na mão dos clandestinos. É o que incomoda a gente", lamenta o gerente de Vendas da Viação São Geraldo, Paulo Anselmo.As empresas cobram fiscalização por parte da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Em nota, a agência informa que há dificuldades na fiscalização em função da estrutura necessária de servidores. Até outubro deste ano, 15.249 ônibus ilegais foram autuados. / COLABOROU NATALY COSTA

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