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O Largo da Misericórdia

Por José de Souza Martins
Atualização:

A Rua Álvares Penteado alarga-se um pouco quando encontra a Rua Direita. Com a apertada movimentação dos pedestres, em direção à Praça da Sé e em direção à Praça do Patriarca, já nem dá para notar que aquele é o velho Largo da Misericórdia. O tempo nele apagou os sinais de sua diferença e de suas históricas funções no centro da cidade. Ali houve dois marcos da São Paulo antiga. Na esquina da Rua Direita, com a fachada voltada para o largo, na direção da Sé, existiu a Igreja da Misericórdia, construída em 1716 e demolida em 1886. Pertenceu à Irmandade da Misericórdia, que pratica a caridade por meio da Santa Casa. O terreno em que houve a igreja ainda lhe pertence. No lugar da igreja demolida foi construído, muito depois, para renda da Misericórdia, o atual edifício Ouro para São Paulo, com o ouro arrecadado para apoiar a Revolução Constitucionalista de 1932. Um segundo marco do largo foi o Chafariz da Misericórdia, erguido em 1793, por meio de subscrição pública, quando Bernardo José de Lorena era governador e capitão-general de São Paulo. Foi autor da obra o mestre-pedreiro Joaquim Pinto de Oliveira Tebas, mulato, que dizem ter sido escravo. Na época da construção do chafariz, ganhava ele 600 réis por dia, uma vez e meia o salário de um branco. Era uma construção de pedra e foi o primeiro chafariz público de São Paulo, com 4 torneiras. O grande historiador da Pauliceia, Nuto Santana, escreveu que a pedra veio de Santo Amaro. Comigo comentou um dia que provavelmente, no entanto, era pedra trazida das proximidades da fazenda beneditina de São Caetano, pelo Rio Tamanduateí, pois fora desembarcada no porto da Tabatinguera. A água descia das cabeceiras do Anhangabaú, do que é hoje o Paraíso, para o chafariz. Ali faziam fila escravos que vinham buscar água em barricas para as moradias. E também escravas. Várias vezes a Câmara recebeu queixas de moradores das redondezas. Era lugar de namoro e algazarra dos cativos. No canto da igreja pregavam-se as proclamas da Câmara, coisa de lugar movimentado. Quando da chegada de bispos e governadores, era o largo um dos lugares adornados com arco votivo de palmas e folhagens, para que sob ele passassem antes do destino final na Sé ou no palácio, no Pátio do Colégio. Davam uma volta pelos pontos extremos do que era então o centro. Dali pra frente, já era o arrabalde. Era também um dos lugares da barulhenta festa de São João.O chafariz do Tebas foi desmontado em 1886 e transferido para o Largo de Santa Cecília (de onde seria removido em 1903). Já em 1883, certo José Antônio Garcia recebera concessão da Câmara para construção, ali, de um quiosque de venda de café, bebidas e petiscos. O largo da algazarra popular aderia aos novos tempos e se transformava no largo da algazarra lucrativa.

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