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''O importante é a Portela sair e mostrar: estou aqui''

Por Felipe Werneck
Atualização:

"Chega um tempo em que é melhor olhar. Tem um sabor especial", diz Paulinho da Viola, de 68 anos, que havia decidido acompanhar de longe os desfiles das escolas de samba do Rio neste ano. O compositor, um dos grandes nomes da história da Portela, pretendia "dar um tempo". Mas tudo mudou com o incêndio de segunda na Cidade do Samba, que destruiu os planos de Portela, Grande Rio e União da Ilha. A Azul e Branca tem o maior número de títulos, mas não ganha há quase três décadas. Será a terceira a cruzar o sambódromo no desfile de domingo, excepcionalmente fora de competição.O senhor desfila neste ano?Eu vou fazer um show em João Pessoa (PB). Já tinha combinado com a minha mulher e com pessoas da escola que neste ano ia dar um tempo, aproveitar o fato de já estar no Nordeste e ficar por lá, descansando, uma coisa que estou precisando. Mas, em vista do ocorrido, eu não me sentiria bem, não ficaria nem à vontade para descansar. Apesar de as escolas prejudicadas não perderem pontos e não haver rebaixamento, sei que é um baque muito forte para o povo da escola, que fica meses e meses se preparando para aquela noite. E, de repente, em poucas horas, vai tudo embora. Achei que era legal sair. O importante é a escola sair e mostrar: estou aqui. Portela é Portela, tem uma história. As outras duas, União e Grande Rio, também fizeram grandes carnavais. Esse episódio pode virar um momento de redenção para a Portela, que não vem de uma boa fase?A escola vem fazendo alguns desfiles interessantes, outros nem tanto. Claro que a Portela luta há muito tempo por um campeonato. Mas nunca esteve para ser soerguida. Sempre esteve lá. A Portela nos últimos anos em todas as enquetes esteve entre as primeiras na preferência do público. O senhor gostou do enredo deste ano, que mistura Egito, Índia, especiarias, Iemanjá e centenário do Porto do Rio?Já ouvi. Não comento mais essas coisas. Acho até difícil. É uma outra forma, um tempo diferente. Brinquei muitos carnavais. Acho que para todo jovem, toda criança, todo mundo que ama o carnaval é uma coisa indescritível. Blocos, como os que nós fundamos, são coisas que ficam. Principalmente por meio das músicas. São coisas indescritíveis, mas é preciso reconhecer que as coisas mudam. O carnaval de rua do Rio era dado como morto. De repente foi renascendo. Os bailes estão voltando ao poucos, espero que voltem mesmo. Antes, os blocos eram menores. Evidentemente é diferente. Outro carnaval, outros valores, outros apelos. É outra forma de brincar. Carnaval é para quem está com disposição, a fim de brincar. Chega um tempo em que eu acho que é melhor olhar.Sem saudosismo.É o contrário de saudosismo. O carnaval vai ser sempre diferente. Ninguém controla o carnaval. As pessoas se juntam, fazem grupos, vão para as ruas, para os bares, o carnaval é isso. Não tem nada disso de "no meu tempo foi assim". A gente fala isso sem saudade, tem boas lembranças. Quando você ouve uma marchinha que brincou na juventude, aquilo te desperta uma série de coisas, você sente quase uma certa nostalgia. Isso é normal, não é crime. Não quer dizer que está achando que o seu sempre foi melhor que o dos outros. Esse sentimento também ocorre em relação aos desfiles no sambódromo?É um tempo totalmente diferente. Muita gente lamentava um pouco certas mudanças, eu mesmo cansei de falar isso, até um ponto em que achei que é uma bobagem. Ninguém para o tempo, ninguém controla isso. As escolas cresceram. Antes, era mais o pessoal da comunidade, elas foram ganhando espaço, foram para o mundo. Se você me perguntar, participei de grandes desfiles, me emocionei, até com samba meu, mas são tempos diferentes. O Joãosinho Trinta dizia que, por causa da própria arquitetura do sambódromo, foi obrigado a fazer carnaval para cima, a criar alegorias grandes. Isso passou a ter muita importância, a coisa do visual, a necessidade de passar num determinado tempo. Houve muita mudança. Não faço mais comparação, nem acho nada. Já vi recentemente alguns desfiles interessantes e comoventes e vi outros que não achei nada.

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