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O boêmio da academia

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Por Redação
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Paulo Vanzolini fala do passado com modéstia. Ele compôs clássicos da boemia como Ronda, descobriu meia dúzia de espécies de animais que levam seu nome e dirigiu o Museu de Zoologia da USP por 30 anos. De tudo isso, o que sente mais falta é da Zoologia. Aos 86 anos, fala do futuro com a certeza de quem sabe o que é melhor para os jovens cientistas: "Arranje um bom orientador. Ciência é coisa que passa de boca em boca. Não se aprende em livro."A maioria das pessoas lembra do Vanzolini compositor de samba e desconhece o pesquisador. O senhor se ressente disso? Não. Trajetória acadêmica é para ficar no meio acadêmico mesmo. Tive muita sorte na vida. Meu pai era engenheiro, professor da Politécnica, deu toda chance de eu me desenvolver cientificamente. Fui estagiário do Instituto Biológico, lá me deram uma boa mão também. Depois fui estagiário do Butantã.Como decidiu estudar répteis? Quando entrei no ginásio, meu pai me deu uma bicicleta e fui ao Butantã. Me apaixonei pelas cobras. Resolvi que ia fazer isso na vida. Fiz carreira de zoólogo especializado em répteis. Comecei a conhecer todas as cobras pela cara. Duas vezes por semana, chegava o caminhão com as caixas de cobras lá. Os fazendeiros mandavam caixas e as trocavam por ampolas de soro. Quando chegavam, a gente abria, identificava as cobras.Qual é a mais interessante? A cascavel.O sr. identificou muitas espécies. Qual a maior descoberta? Isso é banal. O mais importante foi a confirmação da teoria de refúgios (segundo a qual a biodiversidade da floresta tropical tem a ver com uma mudança ocorrida no clima local há milhões de anos). A teoria é de um ornitólogo alemão que a fez de cabeça, sem dados. Fiz um estudo de um lagarto que bateu direitinho com a teoria. A primeira confirmação é nossa, de 1970. Que espécies têm seu nome? Uma meia dúzia. Na reserva do Mamiraumá (AM), achamos uma espécie nova de macaco, que se chama Saimiri vanzolinii.Conte um pouco sobre suas expedições à AmazôniaO tempo todo em que estive no museu fui para a Amazônia. Pegava bicho. Função de museu é pegar bicho. A gente saía com o barco caçando aves, mamíferos, peixe, tudo. A gente trazia os bichos preparados. A lagartixa, por exemplo, você mata, injeta um pouco de formol, coloca ela arrumada em ambiente úmido por 24, 48 horas. Depois joga no formol e pronto. Ia uma meia dúzia de pessoas para lá. O barco ficava no porto de Belém e a gente ia andando. Chegamos ao Peru. Ficamos até três meses viajando.Por que o sr. se graduou em Medicina pela USP?O Andre Dreyfuss, que era um grande amigo do meu pai, disse a ele: "Não mande o Paulo para a Faculdade de Filosofia, mande para a Medicina e depois para estudar fora." Ele era professor da Filosofia (Dreyfuss fez estudos pioneiros de genética animal). O lugar certo para mim era lá, mas fui para a Medicina.O sr. foi para Harvard depois de formado. O que achou de lá? Era especial de bom. Convivia com cada cientista, que me enchia a vida de felicidade. (Philip Jackson) Darlington, por exemplo, foi o grande zoogeógrafo da geração dele e era muito meu amigo. Os americanos são muito bons em geral. Harvard era a linha de frente do mundo. Não quis ficar lá pesquisando, já que era tão bom? Sou brasileiro. E não considero morar em outra cidade que não seja São Paulo. Depois que voltou, seu vínculo profissional mais longo foi com o Museu de Zoologia... Fiquei lá mais de 50 anos. Como diretor, foram quase 30 anos. Entrei lá em 1949, por aí. O diretor, o Lindolfo Guimarães, foi genial, nem era formado, mas tinha uma cabeça excepcional. Hoje lá é um covil de gatunos. Roubam trabalhos uns dos outros.Isso já não era comum no mundo da ciência?Não. Depende do chefe. Se não mantém ordem na casa, não dá muito certo. Durante a faculdade, o sr. se envolveu no movimento estudantil contra Getulio Vargas. Como foi esse período?Contra o Getulio e os milicos também - o Golbery (do Couto e Silva, ministro do regime pós-golpe de 1964) me levou a Brasília para me passar descompostura. (Na época de Vargas)falávamos contra o governo e saíamos na rua. Era sério. Os homens matavam a gente mesmo. Estava lá no dia em que a polícia metralhou estudantes de Direito do Largo São Francisco. A gente estava andando perto do largo, protestando com lenços na boca, para representar que o povo estava amordaçado e a polícia do Getulio atirou na gente. Mataram o Jaiminho, não lembro o sobrenome... Eu me formei muito mais na Faculdade de Direito do que na Medicina. Não saía do (Centro Acadêmico) 11 de Agosto. Eles tinham a caravana acadêmica, um show itinerante. Eu era membro. Foi quando eu comecei a fazer música. Há muita diferença entre universitários da época e de hoje? Não tenho a menor ideia da cabeça do estudante hoje. Achávamos que éramos a esperança do País. Era uma época viva, a gente acreditava nas coisas.Do que o senhor sente mais falta de fazer?De ser zoólogo. Mas com 86 anos não dá mais para ser zoólogo. Mas ainda faço uns trabalhinhos aqui e ali. A pós fora do Brasil é obrigatória na área científica, ou já temos centros de excelência?Depende do que se quer. Se for um ramo que não tem no Brasil, tem que sair. Como eu fiz com a Zoologia. Hoje dá para fazer pós aqui, depende da área. O que o sr. diria a um aluno de 17 anos que queira ser cientista?Arranje um bom orientador. Ciência é coisa que passa de boca em boca. Não se aprende no livro, se aprende com um bom chefe. Se encoste em uma boa escola. E trabalhe também. 1947Doutor sambistaPaulo Emilio Vanzolini, nascido em 25 de abril de 1924, se forma em Medicina na USPGostava de frequentar o centro acadêmico 11 de Agosto, onde conheceu boêmios e sambistas1952HarvardConclui nos EUA doutorado sobre os lagartos da família Anphisbaenidae Saureae Para Vanzolini, estudar nos EUA foifundamental; até hoje tem contato com cientistas que conheceu lá1953"Ronda"Inezita Barroso faz a primeira gravação da canção mais famosa de Vanzolini O autor dos versos "de noite/eu rondo a cidade" até hoje vira a madrugada - lendo pocket books1993AposentadoriaApós quase três décadas como diretor do Museu de Zoologia, é obrigado a se aposentarVanzolini ainda frequenta A Juriti, bar conhecido pelos petiscos no Cambuci, zona sul de SP

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