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Museu Paulista: da História Natural à História da Cultura

Por SHEILA WALBE ORNSTEIN E HELOISA BARBUY
Atualização:

O Museu Paulista, instalado no edifício construído como monumento à Independência do Brasil, às margens do Ipiranga, é um dos símbolos nacionais e paulistas mais conhecidos. A obra Independência ou Morte (1888), encomendada ao pintor Pedro Américo para a parede na qual até hoje se encontra, é possivelmente a imagem histórica mais difundida do País. Criado em 1893 e inaugurado em 7 de setembro de 1895, o museu sempre teve dupla denominação - o nome oficial, Museu Paulista, e o popular, Museu do Ipiranga -, associada a duas missões: a de um museu de pesquisa e a de um museu voltado ao grande público, desde o início com altos índices de visitação. Sua história nos fala muito sobre os contextos que atravessou. A primeira grande fase vai de 1895 a 1916, período em que era um museu de Ciências Naturais, dirigido pelo zoólogo Hermann von Ihering. Naquele momento, pensar a história do País era investigar seu território, sua natureza, seus habitantes originais, numa perspectiva evolucionista. Assim, com acervos de Zoologia, Botânica, Mineralogia, Paleontologia, Arqueologia e Etnologia, constituía-se num museu de História Natural, aí incluída a então chamada História Pátria, vista como ápice de um processo civilizatório. A segunda fase, com ênfase na história do Brasil, vai de 1917 a 1946. Sob direção de Affonso Taunay, a instituição se tornou não só uma referência de conhecimento histórico como forjou grande parte das imagens que ficaram associadas à história nacional, como as figuras de bandeirantes. Em 1921, foi criado o Museu Republicano na casa onde havia se realizado a Convenção de Itu, marco do movimento republicano no século 19. No momento de criação da Universidade de São Paulo, em 1934, a ela foram incorporadas as instituições de ensino que já existiam em São Paulo e, como institutos complementares, dez instituições científicas do Estado, entre elas o Museu Paulista. Taunay, que havia sido professor da Escola Politécnica, foi nomeado professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Esse período do Museu Paulista foi tão profícuo e seu legado, tão marcante que a fase seguinte, de 1946 ao início dos anos 1960, acabou sendo, ao que tudo indica, de certa desorientação. Apesar de grandes nomes que dirigiram o museu, como Sérgio Buarque de Holanda e Herbert Baldus, a força da instituição se dissolveu. O museu só encontraria o lugar adequado a seus objetivos novamente em 1963, quando, sob direção de Mário Neme, foi plenamente incorporado à USP. A história do Museu Paulista foi também a de uma série de desmembramentos, desde as pinturas de seu acervo que foram compor a coleção inicial da Pinacoteca do Estado (1905) até a criação do atual Museu de Zoologia da USP (1939). Em 1989, uma nova fase: com a saída da Arqueologia e da Etnologia e o Plano Diretor de Ulpiano Bezerra de Meneses, o museu passou a se dedicar à história da cultura material da sociedade brasileira, em especial seu segmento paulista. Essa nova guinada se inseria no cruzamento de três tendências contemporâneas internacionais: no plano acadêmico, os chamados estudos de museus, em conexão com os estudos de cultura material; os rumos da disciplina histórica, que tinha abandonado grandes fatos e personagens como referência principal em favor de uma história coletiva, dos anônimos do processo histórico na longa duração; a museologia difundida pelo Conselho Internacional de Museus (Icom/ Unesco), responsável por uma democratização dos museus e uma crescente profissionalização de seus quadros. Outros professores de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP se sucederam na direção do Museu Paulista. Alguns tiveram preocupação maior com o grande público, na tendência que atualmente se vem tratando como História Pública. Um deles foi José Sebastião Witter, que também levou a efeito um conjunto de trabalhos de recuperação do edifício-monumento, quase 20 anos atrás. Visando à modernização do Museu Paulista, Eni de Mesquita Samara conduziu a elaboração de um plano de ampliação do museu, aprovado em 2008 pelos órgãos de preservação do patrimônio. Nos últimos 25 anos, o corpo técnico e científico "vestiu a camisa" do museu, tanto ao produzir exposições e obras que contribuem para novas visões sobre a história de São Paulo e do Brasil como no permanente ciclo de atividades especializadas que realiza em função de seus acervos. Importante destacar a presença constante de alunos que participam da vida do museu como estagiários e pesquisadores em formação, sob orientação dos professores e dos diferentes especialistas da instituição. Atualmente, após um período de incertezas, uma nova conjuntura parece apontar para um futuro reto. Se muito ainda está em aberto, uma certeza há: uma instituição com essa história e com o alto simbolismo de que se reveste, pertencente à mais importante universidade do País, volta a receber o tratamento cuidadoso que merece. SHEILA WALBE ORNSTEIN É PROFESSORA TITULAR DA FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO E DIRETORA DO MUSEU PAULISTA HELOISA BARBUY É PROFESSORA E CURADORA DO MUSEU PAULISTA

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