MPF apura uso de estrutura do SUS em cirurgia particular no Hospital São Paulo

Denúncia foi feita pelo ex-diretor da Escola Paulista de Medicina (EPM) em abril; pacientes seriam encaminhados para uma só farmácia e lucro acabaria dividido

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Por Alexandre Hisayasu
Atualização:

SÃO PAULO - O Ministério Público Federal investiga denúncias de que médicos responsáveis pelo setor de reprodução humana da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) estariam usando a estrutura do Sistema Único de Saúde (SUS) para fazer cirurgias particulares no Hospital São Paulo. A denúncia foi feita pelo ex-diretor da Escola Paulista de Medicina (EPM) Antonio Carlos Lopes, em abril.

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A Unifesp informou que abriu um procedimento administrativo disciplinar e está apurando o caso. Um dos médicos citados na denúncia, Agnaldo Cedenho - que também é o responsável pela área -, nega a existência de irregularidades e atribui o fato a uma briga interna dentro da instituição por disputa de cargos que seria protagonizada pelo denunciante e também por Valdemar Ortiz, ex-chefe do setor de Urologia.

Segundo a denúncia, pacientes da área de reprodução humana são atendidos pelo SUS, que paga a consulta, mas são tratados como particulares em procedimentos cirúrgicos como vasectomia de homens e obstrução tubária em mulheres. O SUS não cobre esse tipo de tratamento.

Urologistas teriam aproveitado instalações públicas do hospital para intervenções não cobertas pelo SUS Foto: HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO

Particulares. Essas cirurgias são feitas na área da Disciplina de Urologia, em um espaço que é, ainda segundo a denúncia, destinado ao atendimento exclusivo de pacientes do SUS. Lopes afirma que, nos últimos cinco anos, pelo menos 1.200 pacientes foram atendidos dessa maneira. “O ambulatório funciona pelo SUS, mas atende pacientes particulares. O dinheiro pago pelo tratamento era dividido por quem participava da cirurgia - do médico ao restante da equipe. Denunciei o caso ao Ministério Público, que pediu provas. Então, encaminhei os 1.200 casos com as respectivas planilhas, documentos e gráficos que comprovam tudo”, diz.

O médico garante que pode provar que pacientes da reprodução humana eram encaminhados para comprar medicamentos em apenas um farmácia e o lucro, depois, era dividido. “A compra de medicamentos para infertilidade era feita só em uma farmácia. Um assistente que atuava nas cirurgias se colocou à disposição da Justiça para afirmar isso.”

Lopes diz também que apenas 1,8% dos cerca de 1.200 pacientes listados acabou sendo operado pelo SUS nesse período. “Procedimentos como fertilização, retirada de endometriose (quando a mucosa que reveste o útero cresce em outras partes do corpo), enfim, tudo que envolve internação na área de infertilidade era feito por meio de convênio particular, mas com a estrutura destinada a pacientes do SUS.” 

Ele acusa o médico Agnaldo Cedenho de ser o responsável pelas supostas irregularidades. “Atende pelo SUS, mas opera pelo convênio particular. Se eu não denunciasse, ficasse quieto, seria uma prevaricação da minha parte, já que quando fiz a denúncia era diretor da EPM”, afirmou. Lopes saiu do cargo em maio, quando terminou seu mandato.

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Procedimento administrativo. A reitoria da Unifesp recebeu as mesmas denúncias em janeiro. O médico Valdemar Ortiz, então chefe do setor da Disciplina e Urologia, encaminhou um relatório para a reitora Soraya Soubhi Smaili. No documento, ele relata que “pacientes atendidos inicialmente pelo SUS foram transformados em particulares e, alguns deles, operados no centro cirúrgico da Disciplina (Urologia). Tal constatação reveste-se de gravíssimo comportamento dentro de um Hospital Universitário e que exige um esclarecimento e providências imediatas”, afirmou. 

Ortiz conclui que o “setor de Urologia, vinculado inteiramente ao SUS, tem servido de forma preocupante aos interesses do atendimento privado do Setor de Reprodução Humana do Hospital São Paulo”. 

O médico foi chefe do setor até maio, quando se aposentou. Ele conta que conversou com a reitora Soraya Soubhi Smaili sobre as denúncias e também com o diretor da EPM, Antonio Carlos Lopes. “São fatos graves que comprometem a instituição. Houve falha administrativa, apesar de eu comunicar o fato há muito tempo, e eu acredito que há uma questão criminal, porque alguém está levando ou levou dinheiro com isso.”

Ortiz nega que a denúncia esteja vinculada a eventuais disputas por cargos. “As queixas foram feitas a todas as instâncias superiores à minha, muito antes de eleições. Tive várias reuniões para discutir o assunto e cobrei resultados”, afirmou.

 Foto: Arte/Estadão

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Outro lado. Procurado pelo Estado, o médico Agnaldo Cedenho, responsável pelo Setor de Reprodução Humana da Unifesp, negou que haja irregularidades nas cirurgias feitas no Hospital São Paulo. Classificou as acusações dos médicos Antônio Carlos Lopes e Valdemir Ortiz como parte de um processo de retaliação pelo fato de ele ser de um grupo contrário à gestão dos dois. 

“O Antonio Carlos Lopes quis se eleger reitor. Sempre fui contra. Após um longo processo, a própria Procuradoria da Unifesp concluiu que ele não poderia ocupar o cargo, por ter passado o limite de idade permitido”, contou Cedenho.

O médico admitiu que pacientes primeiramente atendidos pelo SUS acabam se tornando particulares. Ele explicou que alguns casos de reprodução humana de baixa complexidade são atendidos pelo SUS.

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No entanto, quando há um caso mais complexo com necessidade de internação, por exemplo, o procedimento não é coberto. “Foi feito o que chamamos de pacote econômico para o paciente. Ele paga os custos de internação e o material de consumo dele, e mais nada. Não há honorários médicos nem pagamento da equipe médica.” Ele explicou que os pagamentos são feitos diretamente na tesouraria do Hospital São Paulo.

Cedenho disse que todos os fatos foram esclarecidos na sindicância aberta pela Unifesp. “Está ficando comprovado que não há irregularidade.”

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Procedimento. Em nota, a reitoria da Unifesp informou que todas as denúncias recebidas são devidamente apuradas seguindo os termos legais. 

Segundo a nota, “após ser informada sobre a situação em pauta, a reitoria seguiu o procedimento normal, encaminhando o assunto para a Comissão Processante Permanente, responsável pela condução dos processos de responsabilização sobre questões disciplinares e administrativas”. O texto aponta ainda que “foi instaurado um Processo Administrativo Disciplinar para apurar a veracidade ou não dos fatos apontados na denúncia”. “Após trâmite em comissão interna formada por professores, o processo está em fase de análise pela Procuradoria Federal da Unifesp.” 

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