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Prefeitura pede aval para internação à força; promotor teme ‘caçada humana’

Gestão João Doria (PSDB) afirma que busca solução para pessoas ‘que estão vagando nas ruas sob efeito das drogas’, sem detalhar quantos poderiam ser recolhidos; para Ministério Público, medida fere Lei Antimanicomial

Foto do author Fabiana Cambricoli
Por Fabiana Cambricoli , Fabio Leite e Luiz Fernando Toledo
Atualização:

SÃO PAULO - A Prefeitura de São Paulo pediu autorização da Justiça para internar à força dependentes de drogas na capital. Se o aval for dado, o Município não precisará entrar com solicitações individuais, conforme prevê a legislação federal, o que motivou críticas de médicos, defensores e promotores – que falam até em “caçada humana”.

“O (departamento) jurídico da Prefeitura foi acionado para que se buscasse mais uma alternativa para a solução desse grave problema, em especial para aquelas pessoas que estão vagando nas ruas sob efeito das drogas”, diz o secretário municipal da Justiça, Anderson Pomini. A Prefeitura informou que não há estimativas do número de pessoas que possam ser internadas com a aplicação da medida. Mas adiantou que existem 276 leitos psiquiátricos disponíveis para dependentes e cerca de 3 mil vagas no Programa Recomeço, de gestão estadual.

Parte dos moradores tiveram que se retirar da região após ação policial no domingo, 21 Foto: Gabriela Biló/Estadão

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O secretário municipal de Justiça explicou que há três formas de internação: a voluntária, em que o próprio usuário procura a administração pública e formula o pedido de internação; a voluntária acompanhada, com autorização de um familiar; e a compulsória, que depende de autorização judicial. “O nosso pedido não guarda relação com a autorização genérica de internação compulsória. Não se fala em quantidade nem se discrimina pessoas”, afirma Pomini. “A ideia é que a Prefeitura fique autorizada a buscar essas pessoas, a interpelá-las, para que sejam entrevistadas pelos especialistas da saúde e, quando preenchidos os requisitos, o médico possa informar se pessoa deverá ou não sofrer internação compulsória”, diz o secretário.

Na solicitação, a gestão João Doria (PSDB) relata à Justiça uma situação-limite na Cracolândia, que justificaria a intervenção dos governos. “Era como se a cidade de São Paulo condenasse seus habitantes à morte certa, com habitantes quimicamente vulneráveis devidamente circunscritos à Cracolândia. Ali seria seu epitáfio.”

Contrário. O Tribunal de Justiça pedirá manifestação do Ministério Público, já que a solicitação foi feita pela Procuradoria-Geral do Município no âmbito de uma ação movida pelo próprio MPE contra o governo do Estado em 2012. Na época, o objetivo era obter liminar proibindo a Polícia Militar de agir com violência contra dependentes. O Ministério Público já adiantou ser contrário à iniciativa. 

Para o promotor Arthur Pinto Filho, da área da Saúde Pública, a proposta da Prefeitura de internação compulsória em massa é uma “afronta à Lei Antimanicomial”, de 2001, que prevê internação de pessoas com transtorno mental apenas quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes. “Reputo esse pedido como o mais esdrúxulo que vi em toda minha carreira como advogado e promotor de Justiça. É um pedido genérico, não individualizado, que sugere uma caçada humana a pessoas que vagam pelas ruas”, afirmou.

Governo admite 'fluxos' flutuantes. Na mesma petição em que solicita aval judicial para as internações, a Prefeitura fala que os viciados observados na região da Cracolândia estão em “total impossibilidade de se conduzir por vontade própria, considerada a situação extrema de drogadição”. “As pessoas que se concentram em dependência química e frequentam o local vêm sendo cooptadas por novos ‘fluxos’, nas ruas laterais da intervenção policial realizada.” 

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Outra questão é o domínio do tráfico. Segundo a Prefeitura, "os novos ‘fluxos’ impedem qualquer aproximação assistencial, mesmo porque o domínio desses locais continua com os traficantes”. “Se antes a venda de drogas possuía um ponto fixo, agora as 'bocas de fumo' encontram-se flutuantes”, diz o texto, como o Estado já registrava no dia seguinte à operação, que resultou na prisão de 50 pessoas.

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