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Menino de 10 anos é morto a tiro por PM; Polícia Civil investiga versão oficial

DHPP quer reconstituir perseguição; garoto que estava com vítima e sobreviveu deu dois depoimentos e, no último, indicou execução

Por e Alexandre Hisayasu
Atualização:

SÃO PAULO - Um menino de 10 anos foi morto nesta quinta-feira, 2, por policiais militares após uma perseguição na Vila Andrade, zona sul de São Paulo. Ele e um colega de 11 anos furtaram um carro em um prédio de classe média. A PM suspeitou da dupla e iniciou a perseguição. O menino que sobreviveu deu dois depoimentos sobre como teriam ocorrido os tiros - no segundo, disse que a dupla já havia se rendido e os soldados chegaram atirando. Os agentes alegam que a morte aconteceu durante tiroteio, iniciado pela vítima. O menino foi atingido por um tiro na cabeça, na altura do olho, e morreu no local.

A mãe do menino morto, a empregada doméstica Cintia Ferreira Francelino, de 29 anos, nega que o filho estivesse armado e acusa os policiais de adulterar a cena do crime para colocar um revólver ali (mais informações nesta página). O Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), que investiga o caso, estuda fazer uma reconstituição e ofereceu proteção à testemunha e aos familiares da criança morta.

Menino morava na Favela do Piolho; amigo diz que assalto a prédio de classe média foi planejado Foto: Rafael Arbex / Estadão

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O ouvidor das Polícias, Julio Cesar Fernandes Neves, afirmou que a narrativa policial é “no mínimo, muito estranha”, e pediu para o Ministério Público Estadual acompanhar o caso. “Nunca, na história da Ouvidoria, chegou um caso envolvendo uma criança dessa idade”, disse. Os policiais envolvidos, dois homens das Rondas Ostensivas com Apoio de Motocicletas (Rocam), foram ouvidos pela Polícia Civil, mas ainda devem ser interrogados novamente. Cada um deles efetuou um disparo contra o carro onde as crianças estavam durante a perseguição.

O caso. Os meninos são moradores da Favela do Piolho, comunidade próxima da Avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini, no Campo Belo, zona sul. Ambos já haviam sido detidos pela polícia por duas vezes, por furto. Segundo o garoto sobrevivente, ambos saíram do bairro na tarde de quinta-feira para praticar um roubo. O menino afirmou que o colega já havia identificado um alvo: o endereço era um prédio de classe média, para onde foram de ônibus. 

O edifício fica em uma esquina. Uma praça vizinha dá acesso direto aos muros, que eles pularam sem dificuldade. A invasão aconteceu por volta das 19 horas. Após circular pelo interior do local, a dupla viu um jipe Daihatsu com os vidros abertos e a chave no contato. Eles entraram no carro e saíram do prédio sem dificuldades.

  Foto: Arte|Estadão

Como o menino não sabia dirigir direito nem trocar marchas, segundo as informações do boletim de ocorrência do caso, a trajetória do carro chamou a atenção de uma viatura policial. Foi quando começou a perseguição.

Ainda segundo as duas versões do menino sobrevivente, ao receber ordem de parar, a criança de 10 anos teria atirado duas vezes contra os policiais. Após percorrer uma distância de 300 metros, acompanhados a distância pela viatura e por duas motos da polícia, os meninos bateram em um ônibus. É quando há a contradição nos depoimentos: no primeiro, o jovem relata que o policial teria atirado em resposta a um terceiro disparo do colega. No segundo depoimento, nesta sexta-feira, 3, o menino contou que, após a colisão, os policiais chegaram atirando, e mataram o amigo sem que tivesse havido tiroteio.

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A diretora do DHPP, delegada Elisabete Sato, afirmou que a investigação não descarta nenhuma hipótese. “Está sendo apurado se o menino de 11 anos sofreu algum tipo de pressão para direcionar o depoimento (o primeiro)”. O segundo depoimento foi prestado na presença do advogado Ariel de Castro Alves, membro do Condepe (Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana).

“Pelo depoimento, o menino diz que não houve confronto com a polícia no desfecho da ocorrência, quando o veículo já estava parado”, afirmou o advogado, que vai acompanhar o andamento das investigações. As famílias recusaram integrar o programa de proteção.

A Secretaria de Estado da Segurança Pública enviou nota sobre o caso em que afirma que o Conselho Tutelar havia sido acionado para acompanhar o caso, que havia sido encaminhado ao DHPP por se tratar de resistência a prisão seguida de morte. Uma coletiva de imprensa no Palácio dos Bandeirantes chegou a ser convocada pelo secretário da Segurança, Mágino Alves Barbosa Filho, mas foi desmarcada.

Testemunhas. O carro que as crianças furtaram foi devolvido ao proprietário, após a realização da perícia, que fechou a rua onde aconteceu o crime durante a noite de quinta e a madrugada desta sexta. Nem no local nem no prédio que os meninos invadiram testemunhas quiseram comentar a ação. Policiais civis apreenderam imagens de câmeras de segurança de uma farmácia e de prédios vizinhos do ponto do tiroteio. O motorista do ônibus que bateu nas crianças foi interrogado. 

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