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Justiça proíbe obras em terreno da Cruz Vermelha

Liminar suspende obras em terreno; grupo Iguatemi tem projeto de shopping para a área, alvo de discussão sobre tombamento

Por e Edison Veiga
Atualização:
Relatório municipal destaca70 plantas de cerrado no local Foto: Rafael Arbex / Estadão

SÃO PAULO - O juiz Sergio Serrano Nunes Filho, da 1.ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, proibiu na sexta-feira a realização de obras em um terreno da Cruz Vermelha no Planalto Paulista, zona sul de São Paulo, após ação proposta pelo Ministério Público Estadual (MPE). Segundo a promotoria, os projetos para a construção de um shopping na área não respeitavam regras do Plano Diretor da cidade. Ainda cabe recurso. 

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As obras ainda não começaram porque o projeto aguarda liberação na Prefeitura. Há duas semanas, entretanto, o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental de São Paulo (Conpresp), havia determinado que os edifícios do centro médico não precisavam ser tombados. O tombamento havia sido pedido pela Câmara Municipal.

A decisão do Conpresp serviu para mobilizar a comunidade pela preservação do espaço. A Sociedade Amigos do Planalto Paulista organizou um “abraço” no terreno, que fica de frente para a Avenida Moreira Guimarães, nas proximidades do Aeroporto de Congonhas. “Não somos contra o shopping, também não queremos um parque ali. O que queremos é o cumprimento da lei, a preservação da área”, diz Carlos Cruzelhes Filho, presidente da associação. Por outro lado, iniciou-se mobilização nas redes sociais pela criação de um eventual “Parque Cruz Vermelha” ali. 

A ação civil foi proposta pelos promotores públicos Claudia Cecilia Fedeli e Roberto Luís de Oliveira Pimentel, após inquérito instaurado para apurar se a obra estaria de acordo com o Plano Diretor. Considerou-se ainda que “há indícios de que a decisão (sobre o não tombamento) não contou com respaldo técnico suficiente, já que nem sequer vistorias foram feitas no local”, segundo nota do MPE. “Ademais, declarações colhidas na Promotoria dão conta de que, com a pretensão da construção do empreendimento, a demolição dos prédios pode ser iminente.”

Os promotores também questionaram o fato de que a decisão do Conpresp teria sido tomada sem que a sociedade civil fosse ouvida. O shopping em projeto é do Grupo Iguatemi, de Carlos Jereissati Filho. Ainda de acordo com o Ministério Público, “com a liminar concedida, a Cruz Vermelha fica impedida, até decisão judicial em contrário, de demolir os edifícios situados no terreno, fazer corte, poda ou manejo da vegetação existente no local; e de realizar qualquer trabalho de instalação física do empreendimento pretendido”. Já a Prefeitura terá de suspender o processo que determinou que a área não seria tombada. E foi também proibida tanto de autorizar qualquer demolição no imóvel quanto de liberar o início de construções na área.

Projeto. A Cruz Vermelha, dona do terreno, afirmou que “está à disposição das autoridades competentes e oportunamente se manifestará nos autos do processo em curso”. A ideia da instituição é conceder parte do terreno – que foi obtido por meio de doação e não pode ser vendido – para um empreendimento comercial, mas com a manutenção dos atendimentos médicos na área. O local é referência no auxílio de queimados e usaria os recursos obtidos com essa negociação para reformar e ampliar o número de leitos existentes no Planalto Paulista. Em 2016, houve ali 170 mil atendimentos.

Por meio de nota, a Prefeitura informou que “a questão já foi exaustivamente analisada pelo Conpresp, que decidiu pela inexistência dos elementos que justifiquem o tombamento da área atualmente utilizada pela Cruz Vermelha”. A Secretaria Especial de Comunicação informou ainda que “a destinação da área é de competência do proprietário, desde que siga a legislação vigente”. Também em uma resposta por escrito, o Iguatemi afirmou que não é parte no processo judicial e, assim, não iria comentar o caso. 

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Relatório municipal destaca 70 plantas de cerrado no local

A área verde de 14 mil m² no mesmo terreno onde fica o Hospital da Cruz Vermelha, no Planalto Paulista, zona sul da capital, foi alvo de um relatório da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, no processo de tombamento, que identificou, no ano passado, a presença de mais de 70 plantas, muitas delas autóctones do cerrado paulista - algumas que não eram vistas em área urbana há décadas, conforme apuração do Estado

O levantamento de espécies também foi usado pela secretaria na elaboração do Termo de Compensação Ambiental (TCA) já emitido para o terreno, que não vetou nem a exploração comercial nem construções na área, desde que respeitado um porcentual de preservação do terreno equivalente a 24% da área. Procurada nesta segunda, a Cruz Vermelha ressaltou que vai cumprir o TCA em qualquer acordo que for feito.

O complexo hospitalar teve seu pedido de tombamento - solicitado pelo então vereador e hoje secretário do Verde, Gilberto Natalini (PV) - indeferido pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural de São Paulo (Conpresp), em reunião ocorrida em 12 de junho. Com isso, desde o dia 15, quando a decisão foi publicada no Diário Oficial da Cidade, o terreno estava “descongelado”, ou seja, poderia sofrer intervenções. O congelamento foi restabelecido agora pela Justiça.

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O Iguatemi informou que não comentaria o processo. A Prefeitura destacou que enviou ao Conpresp o laudo solicitado e cabe ao órgão, autônomo da administração, definir o caso. 

Vegetação. Especialista em vegetação de cerrado, Daniel Caballero visitou o local e identificou exemplares do cerrado. “Quase todas são medicinais.”

Entre eles estão a arnica do campo, “de floração amarela bem característica dos campos de cerrado, uma medicinal utilizada como antidepressivo e anti-inflamatório”. Também foi verificada a presença de capim colchão. “Muito característica de campos de cerrado, coletada pelo botânico Alfred Usteri na Avenida Paulista em 1907, provavelmente marcando os limites dos Campos de Congonhas com a Mata Atlântica do Caaguaçu, da qual sobrou apenas algumas árvores no Parque Trianon”, aponta Caballero.

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Ainda havia a presença de capim rabo de burro - que aparece em relatos antigos de diversos naturalistas, como Saint Hilaire e Joly -, erva cidreira falsa - “poderosa como expectorante”, explica o especialista -, gervão azul, poaia branca, ipecacuanha e capim estrela. Este último aparece em estudos de Joly sobre os campos do Butantã. 

Essa vegetação, conforme ressalta Caballero, acaba servindo como atração para uma variada fauna. “O local tem variedade de quero-queros, carcarás, corruíras, sabiá do campo, joão de barro”, afirma. “Com destaque a uma família de canários da terra, raros dentro do Município. São pássaros que dependem de áreas abertas, campestres”, conta. “Se deixarem esse espaço sem ‘limpar’, por três meses, por seis meses, vai formar uma vegetação incrível. É um banco de sementes.”

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