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Inquérito contra padre-coronel revela detalhes de desvio de milhões doados por fiéis

Interceptações telefônicas mostram que Osvaldo Palópito desviava dinheiro e ainda mantinha relação afetiva com uma mulher

Por Alexandre Hisayasu e Monica Reolom
Atualização:

SÃO PAULO - Investigação da Corregedoria da Polícia Militar aponta prática de crimes militares por parte do coronel Osvaldo Palópito, que é padre da Igreja Católica e dirigia a Capelania da corporação até o dia 31 de janeiro, quando pediu a sua passagem para a reserva. Segundo o inquérito, Palópito deve responder por abandono de posto, exercício de comércio por oficial, peculato e enriquecimento ilícito. Ele é acusado de desviar dinheiro de fiéis da Igreja.

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Após 4 meses detido no Presídio Romão Gomes, na zona norte, o padre foi solto na semana passada e, segundo seu advogado, já voltou às atividades sacerdotais, em Mogi dos Cruzes, na Grande São Paulo. A Corregedoria relatou o inquérito, que está nas mãos do Ministério Público Estadual (MPE). O padre responde às acusações em liberdade.

Em maio, o militar havia sido preso acusado de desviar, segundo o secretário da Segurança Pública, Alexandre de Moraes, R$ 2 milhões de recursos da Capelania Militar. Palópito era o responsável pela Paróquia Santo Expedito, na Rua Jorge Miranda, na Luz, na região central de São Paulo.

Cantor. O padre Palópito, responsável pela Paróquia Santo Expedito, gravou seis discos Foto: Márcio Fernandes/Estadão

Interceptações telefônicas mostram que Palópito, valendo-se do ofício religioso, passou a desviar dinheiro arrecadado de devotos que deveria ser repassado à Mitra do Ordinariado Militar do Brasil (circunscrição eclesiástica à qual estão subordinados os capelães).

O esquema começou a funcionar em 2009, quando o capelão abriu uma conta que servia para depósito de valores recebidos por meio de carnês, que eram dados aos devotos. Constatou-se que o dinheiro servia para pagamento de despesas pessoais do oficial, de policiais militares e de funcionários civis que trabalhavam na Capela Santo Expedito.

Segundo a acusação, Palópito usou o dinheiro para compra de veículos e imóveis - um deles na Riviera de São Lourenço, condomínio em Bertioga, no litoral paulista - e na construção de um empório nessa cidade, que está registrado em nome de Isabel Cristina Firmino. Os dois, de acordo com a investigação, "eram amasiados" e viviam no apartamento.

As interceptações também revelam que o padre temia ser vigiado. Umas das escutas mostra o padre combinando de se encontrar em um motel com uma mulher. Eles decidem ir no "Álibi". Na saída, ela liga e pergunta: "na hora que você saiu, você viu uns caras numa moto filmando?". O padre responde que não, ao que ela continua: "Eu morro de medo, nunca sei se alguém está te perseguindo", afirma, e reforça que havia dois caras de moto filmando "do lado do motel".

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Comércio. Palópito seria o responsável por gerenciar o Empório São Lourenço, registrado em nome de Isabel, e, para isso, "tinha por hábito ignorar a administração da Capela Santo Expedito, abandonando sua missão institucional e religiosa", afirma a investigação. Também ficou comprovado que, no local, foi instalado um gerador de energia de R$ 30 mil pago com o dinheiro extraviado da arrecadação dos fiéis.

Sobre sua gestão à frente da Capela, a Corregedoria da PM diz que o policial e padre era "contumaz na inobservância de leis, regulamentos e ordens", já que não estipulava escalas de serviço e não fiscalizava o cumprimento de horário dos subordinados.

Outros dois PMs, lotados na Diretoria de Pessoal e subordinados à capela, também estariam diretamente envolvidos no esquema de desvio de dinheiro e obtenção de notas fiscais frias para simular uma "proba prestação de contas". Um deles, de acordo com as investigações, gerenciava um food truck na praia de Riviera de São Lourenço, também em Bertioga, que foi equipado com utensílios comprados com dinheiro dos devotos.

Além disso, cestas básicas que eram doadas para serem entregues a pessoas carentes passaram a ser desviadas para funcionários da capelania e para a ONG Centro Cultural Santa Terezinha, com o intuito de serem comercializadas ou usadas como moeda de troca por prestações de pequenos serviços.

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Defesa. O advogado de Palópito, Eliezer Pereira Martins, diz que seu cliente é inocente. Segundo ele, Isabel e o padre são amigos de muitos anos e, "pela confiança que ele nutre por ela", ambos tinham negócios em que ele era sócio. "Não há relação afetiva nesse contexto", afirma.

Sobre a mulher com o militar teria ido ao motel, o advogado explica que não teve acesso a esse áudio. "Ele não foi acusado disso. E não sabe do que se trata porque não teve acesso ao áudio. Esse elemento não tem nenhuma ligação com os crimes que estão sendo imputados a ele, isso não foi objeto de analise na instrução do processo até agora. E de qualquer sorte, no momento em que houver acusação formal, ele evidentemente vai se explicar e se justificar".

Martins diz que todos os bens coronel da reserva são compatíveis com a sua renda. "O padre é oficial há mais de 30 anos. Sem filhos e não é casado. Ele tinha como fontes de renda salário de oficial da PM mais renda dos discos que vendia e remuneração que recebia da igreja. O patrimônio consistia no apartamento, no terreno onde foi edificado o empório e em quatro veículos. Esse patrimônio é perfeitamente compatível com a renda que ele tinha", explica.

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Sobre o suposto desvio dinheiro dos fiéis, o advogado afirma que "não há nem um centavo sequer de que o padre tenha desviado da capela em favor dele". Segundo Martins, os funcionários da igreja falsificaram a assinatura de Palópito. "O padre pode até ter culpa, mas foi por ter dado demasiada liberdade para os subordinados".

Eles também teriam falsificado a abertura da conta para onde ia o dinheiro desviado. "O padre não se recorda de ter aberto essa conta. É bem provável que ela tenha sido aberta à sua revelia."

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