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Históricas, cavas de ouro do Jaraguá estão abandonadas

Vizinhos relatam até uso de drogas em uma delas; há plano de se criar parque e museu de mineração na área, mas ele ainda engatinha

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Por Felipe Frazão
Atualização:

O Jaraguá, na zona norte de São Paulo, esconde sob a terra um tesouro ameaçado pela expansão urbana desordenada e pelo descarte irregular de lixo e entulho. Às margens da Rodovia Anhanguera, entre loteamentos e favelas do Morro Doce de um lado e dois cemitérios do outro, estão quatro antigas cavas de mineração de ouro, que "sobrevivem" cobertas por árvores nativas de mata atlântica e são desconhecidas pelos vizinhos. Para evitar que elas desapareçam - como ocorreu com uma quinta lavra de ouro que existiu ali até os anos 1990 e foi destruída pela terraplenagem de um terreno -, as cavas Jardim Britânia e Morro Doce precisam ser cercadas imediatamente. Mas não há nem sinal de grade por lá. Geólogos propuseram a criação de um parque municipal com 415 mil m². Dentro, sugerem a criação de museu da mineração e centro de educação ambiental.Em nota, a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente disse ter aberto processo para adotar "procedimentos legais e possíveis desapropriações" para implantação do parque. A preservação das outras cavas - Parque Anhanguera e Faldas do Morro Quebra Pé -, localizadas em áreas particulares (um clube de campo e um cemitério), depende da colaboração dos donos. Em todas, ainda há interesse histórico e até de mineração em subsolo profundo - apesar de, para especialistas, sua viabilidade econômica ser duvidosa.A Prefeitura sabe disso há mais de um ano, quando formou grupo de trabalho para definir o futuro das cavas. Mas ainda não fez o recomendado no relatório final feito por especialistas e publicado dia 22 no Diário Oficial da Cidade. "É de estranhar o verdadeiro descaso que este primeiro ciclo do ouro, com duração de 200 anos, tem sido tratado pelas mais diversas instituições", diz.O único avanço foi abertura do processo de tombamento das cavas em março pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade.Importância. Em 1822, o mineralogista José Bonifácio de Andrada e Silva já considerara as cavas do Jaraguá antigas. Em 1950, o geólogo Theodoro Knecht fez um levantamento geral sobre áreas de mineração paulistas e mapeou novamente as cavas. O conhecimento, porém, ficou restrito a estudiosos e acadêmicos.Estudos indicam que a Escola Municipal de Ensino Fundamental Jardim Britânia, por exemplo, foi construída sobre a cava de mesmo nome. E a abertura da Anhanguera passou sobre galerias de exploração de ouro.Os atuais vizinhos simplesmente ignoram sua existência. A ocupação começou nos anos 1990. Na Morro Doce, há trilhas abertas, colchões e garrafas. Moradores denunciam ali venda e uso de drogas, além de esconderijo para prostituição. "Isso aí é o mato dos ratos e das cobras", diz a dona de casa Dalva Alves Pereira, de 49 anos, que há 20 vive ali e nunca ouviu falar nas cavas. "Se disserem que tem ouro, vão invadir com pá para cavar", alerta o músico Marcelo Santiago, de 44.Para Celso Dal Ré Carneiro, autor do principal estudo sobre as cavas e pesquisador do Instituto de Geociências da Unicamp, é preciso estimular o conhecimento de quem vive ao lado de quatro séculos de história e não faz nem ideia disso.

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