Há ‘ricos’ e ‘pobres’ até mesmo entre os sem-teto

Estratificação é visível e envolve os locais em que são encontrados; há alguns indivíduos que caminham com pertences, enquanto outros não têm nada

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Por Felipe Resk
2 min de leitura

O pintor André Bruno, de 38 anos, aperta o start para pausar o Playstation 2 e receber um sanduíche, oferecido por um grupo que faz doação a moradores de rua. Passam das 22 horas e os termômetros marcam 17.ºC. Entretidos com o vídeo game (o Flamengo vai vencendo o Fluminense por 1 a 0 no jogo), Bruno e os amigos fazem parte da minoria que ainda está acordada embaixo do Minhocão. Apesar do frio, estão bem equipados: têm camas, colchões, armário e churrasqueira. Em volta deles, dezenas de pessoas se encolhem em papelões e cobertores.

A 'Maloca', como é chamada pelos residentes, parece até um condomínio. Foto: Ari Ferreira

Com regras de convivência e seleção para morar (os demais precisam aprovar o ingresso), a “Maloca”, como é chamada pelos residentes, parece até um condomínio. Em média, 15 famílias moram lá, há oito anos – um número que varia por causa das constantes entradas e saídas.

“Eu vivo na rua por opção”, afirma Bruno, um dos líderes da Maloca. “É claro que tem o lado ruim: a violência, a sujeira, a preocupação em não incomodar quem mora e trabalha na região. Mas, aqui, eu tenho minha liberdade, converso com as pessoas, consigo trabalhar.”

Frete em carroças é a principal fonte de renda. Não raro, fazem vaquinha para bancar despesas com alimento ou outros itens do espaço – foi assim que compraram o videogame. Já a TV veio de doação.

Perto dali, na Estação Santa Cecília, uma mulher que aparenta ter mais de 50 anos prova um tomate que sobrou da feira de rua. Se perguntarem o seu nome, vai responder que se chama Maria. “Só Maria mesmo.”

“Não gosto de morar na rua: é como se fosse um espírito que te consome e te prende”, diz. Em um carrinho de supermercado, Maria guarda um cesto para revista – que, por enquanto, não guarda exemplar nenhum. “Estou juntando as melhores coisas que tenho, porque quero sair daqui até o fim do ano. Vou procurar uma invasão.”

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Estratificação. O pesquisador Eulálio Figueira, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), avalia que também há a divisão de classes entre moradores de rua. “É a mesma estratificação socioeconômica que se vê na sociedade comum”, afirma. “Há os que têm bens e os que não têm.”

“A estratificação também se reflete no espaço geográfico”, diz Figueira. Em sua tese, um mendigo na Avenida Paulista, por exemplo, pode ser considerado mais “rico” do que um da periferia da cidade. “A miserabilidade não é uma condição do morador de rua: ela, na verdade, é parte do conjunto dessa população.”

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