‘Disseram que vão me buscar até no inferno’

Gesseiro denunciou ter sido torturado por três PMs durante três horas e meia: ‘Tenho medo por mim, por meus pais'

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Por José Maria Tomazela
Atualização:

SOROCABA - Quando precisa sair de casa, o gesseiro Roberto Rodrigues Nunes, de 28 anos, morador de Sorocaba (SP), informa os pais para onde vai e em quanto tempo volta. Nunes só põe a cara fora do portão depois de checar se não há estranhos na rua e, quando encontra blitz da PM, transpira, treme e tenta desviar a rota. Desde que ficou mais de três horas sendo agredido por policiais, na noite de 26 de fevereiro de 2016, ele vive no fio de navalha. “Tenho medo por mim, pelos meus pais, pela minha família. Fui torturado e denunciei, mas a tortura continua. Disseram que vão me buscar até no inferno.”

'Me obrigaram a limpar o sangue da viatura', disse o gesseiro Roberto Rodrigeus Nunes, que foi brutalmente espancado por policiais militares da Força Tática de Sorocaba; na foto ele mostra como os policiais apontaram a arma. Foto: Epitácio Pessoa

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A região de Sorocaba é a que mais registrou casos de tortura no interior do Estado nesta década. Na área do Departamento de Polícia Judiciária de São Paulo Interior, que abrange 79 municípios, foram 27 casos desde 2011, dos quais 14 apenas nos últimos 18 meses.

Nunes foi abordado quando voltava para casa à noite. “Vi um carro se aproximando com o farol alto e pensei que era assalto, pois as ruas são escuras e há muito roubo. Acelerei e o veículo acelerou. Vi um braço para fora com uma arma. Corri o mais que pude e, no trecho claro, vi que era uma viatura com o giroflex desligado. Parei na frente de um bar onde havia gente.”

Segundo ele, três PMs desceram de arma em punho, o derrubaram, o algemaram e o agrediram, sem pedir documentos. Depois, o jogaram no guarda-preso da viatura e, numa rua mais escura, continuaram espancando. Diziam que o gesseiro tinha arma, droga. Quebraram seu nariz com uma prancheta, fazendo o sangue jorrar. “Tentava dizer que era trabalhador, que não tinha passagem, eles jogavam spray e batiam. Levei uma gravata e desmaiei. Quando acordei, tinha o maxilar quebrado, sentia gosto de sangue.” 

Ainda segundo Nunes, os policiais puseram um capacete em sua cabeça e mandaram que corresse. Ele se agarrou à perna de um PM que segurava uma submetralhadora. Tentaram colocá-lo novamente na viatura. “Pulei do carro e corri às cegas, caindo na rua. Eles me pegaram e voltaram a me bater.” Algumas pessoas começaram a filmar as agressões com celulares.

O gesseiro foi colocado novamente no carro e passou a sofrer tortura psicológica. “Diziam: ‘Você não tem noção de quem somos, você não vale nada”. Chegou outra viatura, acionada por pessoas que haviam ligado para o 190. “Fiquei na mão deles das 21h30 até a 1 hora. Antes de me deixarem em casa, me deram um pano e me obrigaram a limpar o sangue da viatura.”

O exame do Instituto Médico-Legal constatou fraturas no maxilar e em três costelas, além de lesões e hematomas. A Polícia Civil teve acesso às imagens dos celulares e abriu inquérito contra os dois cabos e um sargento por abuso de autoridade, lesões corporais de natureza grave e tortura. O caso é investigado pelo 4.º DP, em segredo de Justiça. A PM informou que apura o caso em Inquérito Policial Militar. O setor de Comunicação Social informou que os policiais estão afastados das funções e o inquérito será remetido à Justiça Militar Estadual. 

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