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Crianças vivem ‘sitiadas’ em hotéis da Cracolândia

Abrigos do Braços Abertos, também usados como moradia, acumulam sujeira e infestações; Prefeitura diz que tomará ações

Por Bruno Ribeiro
Atualização:

Atualizado às 11h50

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SÃO PAULO - Dezenas de crianças estão vivendo sitiadas nos quartos dos hotéis alugados pela Prefeitura de São Paulo para abrigar dependentes químicos da Cracolândia. Elas passam o dia trancadas em seus quartos, isoladas pelo consumo de crack dos vizinhos. Passados sete meses do início do Programa Braços Abertos, aposta da gestão Fernando Haddad (PT) para enfrentar o vício na região, os hotéis acumulam sujeira, ratos e corredores sem iluminação.

O total de crianças ali varia entre 31, segundo a Prefeitura, e 45, conforme afirma o proprietário dos hotéis, Manoel Souza. “Quando não estão na creche, se está calor, eu fico com eles na praça (Largo Sagrado Coração). Se está frio, eles ficam aqui trancados, o dia todo”, diz a dona de casa Janaina Conceição Xavier, de 34 anos. Com ela, vivem três filhos. Ela espera pelo quarto.

Segundo os moradores, todas as crianças têm vagas em creches e escolas da região. O problema é a falta de condições de higiene nos hotéis onde elas estão vivendo. Nesta quinta-feira, 4, um dos hotéis, na Alameda Barão de Piracicaba, estava com corredores totalmente escuros, sem lâmpadas, com sacos de lixo acumulados em um canto e um cano de água estourado, vazando pelo corredor. Os moradores que conversaram com a reportagem do Estado relataram a presença de ratos e insetos.

Segundo familiares, crianças ficam nos quartos para não ter contato com crack Foto: Sérgio Castro/Estadão

Parte do problema tem origem burocrática. A entidade contratada para cuidar dos hotéis, a Organização Brasil Gigante, tem reduzido atividades na região, uma vez que seu contrato está para vencer. Internamente, a avaliação da Prefeitura é que esse é um momento de “transição” entre entidades, daí a queda na fiscalização da qualidade dos hotéis.

Mas ali há também crianças que não têm relação direta com o programa. A dona de casa Leda Pereira da Silva, de 63 anos, vive com seis crianças (quatro netas e duas sobrinhas-netas). Nesta quinta-feira, três delas passaram a tarde em colchões que se juntam no chão, por causa da falta de espaço. “Eu já morava aqui antes de eles (os usuários de crack atendidos pelo programa) chegarem. Agora, é só abrir a porta para sentir o cheiro (de crack queimando). Sem contar as brigas”, diz. Na casa, não há ninguém atendido pelo programa. “Não sou usuária”, conta.

Em nota, a gestão Haddad afirma que “não concorda com o grau de deterioração descrita e vai notificar imediatamente a ONG Brasil Gigante para fazer cumprir com seus fornecedores as condições dignas e adequadas de moradia”. A nota diz ainda que “a Prefeitura reitera seu compromisso com o apoio e a assistência a todos os menores que estão em situação de vulnerabilidade social” e afirma que todos os 31 filhos de usuários de crack que fazem parte do programa “têm vaga no contraturno escolar nos Centros de Convivência da Criança e Adolescente” e foram cadastrados no Bolsa Família.

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Já a Brasil Gigante não atendeu os telefonemas do Estado.

Maus-tratos. O advogado Ariel de Castro Alves, membro do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos (Condepe), afirma que a manutenção de crianças ali viola o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), uma vez que o ambiente insalubre as expõe a riscos. “É estarrecedor que isso ocorra, ainda mais em um ambiente mantido pela Prefeitura.” As crianças deveriam ser afastadas do ambiente de abuso de drogas. “Essa é uma medida que acaba punindo a criança com o afastamento do convívio com os pais. Pais e Prefeitura, por meio dos responsáveis pelo programa, podem responder por crime de maus-tratos”, conclui.

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