Começa o desfile de São Paulo... E de Parintins

Há exatos 20 anos os artesãos amazonenses começaram a trabalhar nas alegorias para o Anhembi; hoje, respondem por 50% da mão de obra

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Por Edison Veiga e
Atualização:
Unidos de Vila Maria. Madrugada terá Nossa Senhora Aparecida no sambódromo Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO - TIRADA COM MOTO Z PLAY + HASSELBLAD TRUE ZOOM

Não importa o resultado do Anhembi, em que a elite do samba paulistano começa a desfilar nesta sexta-feira, 24, às 23h15: quando o carnaval acabar, cerca de 500 amazonenses vão comemorar. Voltarão para casa depois de um período de seis a oito meses longe de família e amigos. Tomarão um voo de 3h55 até Manaus. Depois enfrentarão cerca de 17 horas de barco até Parintins. 

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“A saudade aperta muito”, concorda o escultor Claudenor da Costa, o Nonoca, de 40 anos, enquanto trabalha nos últimos arremates das peças da Império de Casa Verde. “Este ano mais ainda, porque fico aqui torcendo para minha filha não nascer antes de eu voltar.” Quando ele veio para São Paulo, em agosto, tinha acabado de saber da gravidez. Passou a gestação toda sabendo notícias de Clivia, sua mulher, pelo WhatsApp. Cloi será sua terceira filha - ele já tem Moisés e Celine. 

Nos trabalhos da alegoria da Império, são 21 profissionais - 11 de Parintins. Eles ficam alojados em quartinhos improvisados no barracão da própria escola. De segunda a sexta, têm a comida preparada por uma cozinheira contratada. Aos sábados e domingos, usam a culinária como um catalisador de saudade. Compram tambaqui de um peixeiro de confiança do bairro e farinha d’água, já descobriram, tem para vender no Mercado Municipal da Lapa. 

Faz exatos 20 anos que parintinenses fazem o carnaval de São Paulo. Enquanto no Festival Folclórico de Parintins optam por trabalhar em uma das duas agremiações - Caprichoso e Garantido -, aqui o leque é maior: só na elite do carnaval são 14 escolas de samba. Em Parintins, tudo é montado em quatro meses - de março a junho. Para São Paulo sobram os outros oito. Um escultor como Nonoca, por exemplo, tira R$ 3 mil por mês de trabalho lá no Amazonas; aqui, fatura uma média de R$ 10 mil - tudo “livre”. 

Pioneiro. O precursor desse movimento foi o artista Juarez Lima, hoje com 50 anos. Em 1996, o carnavalesco Augusto de Oliveira foi conferir o festival amazonense - no ano seguinte, sua escola, a X-9 Paulistana, homenagearia a Amazônia. “Ele se encantou e falou que iria me levar para fazer uma pequena revolução no carnaval paulistano”, recorda-se Lima, que desde o ano 2000 passou a dedicar-se exclusivamente às festividades de Parintins e de Manaus. “Acho que deixei um pequeno legado. Fico feliz em ver que minha porteira abriu espaço para tantos talentos.”

A participação dos parintinenses no carnaval paulistano só foi aumentando com o passar do tempo. A Liga Independente das Escolas de Samba de São Paulo diz que não tem estimativas. Conforme a reportagem verificou ao longo da semana passada, cerca de 50% da mão de obra dos barracões é hoje conduzida pelos artistas da floresta. “Esse intercâmbio cultural permite que tanto os artistas paulistanos como os parintinenses consigam aprender uns com os outros”, avalia o presidente da Liga, Paulo Sérgio Ferreira. “É dom de Deus, não tem explicação. Parece que todo mundo que vem de lá é artista nato”, acredita o carnavalesco Jorge Freitas, atual campeão pela Império. 

Nonoca admite que pensa em se aposentar do carnaval de São Paulo. “Estou há 19 anos vindo para cá. Toda vez nessa toada. Já está na hora de eu priorizar minha família, vamos ver...”, solta. O pintor Eliandro Tavares, de 42 anos, faz o périplo há nove anos. Este é o segundo carnaval, entretanto, em que veio acompanhado pela mulher Francy Paz, de 35 anos. “Sentia ‘precisão’ de ter alguém ao meu lado para dar força. Chega um tempo que o psicológico todo cansa”, explica. 

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Na Dragões da Real, a solidão inspirou o escultor Arthur Brasil, de 34 anos. No fim do ano, a escola deu folga para os 17 parintinenses do barracão, para que eles pudessem se organizar para passar Natal e ano-novo com os familiares. Brasil deixou para depois e acabou não conseguindo passagem aérea com bom preço. “Aí pensei: pô, já estou há 12 anos fazendo o carnaval, chegou a hora de fazer uma homenagem para mim.” O resultado pode ser conferido no desfile: um dos bonecos da alegoria da escola é um autorretrato.

Já a equipe que faz a alegoria da Gaviões da Fiel, quinta a desfilar na madrugada desta sexta e com os imigrantes como foco, é praticamente formada só por parintinenses: são 35. No barracão todo, há 45 artistas do Norte - em um universo de 80 profissionais. O responsável por essa hegemonia é o carnavalesco. Zilkson da Silva Reis, de 38 anos, também parintinense. E tem relação com o carnaval paulista desde 1999. “Nesse meio tempo, cheguei até a morar em São Paulo por três anos, quando trabalhava na Mocidade Alegre”, conta.

Desfiles. Nesta sexta, o sambódromo paulistano trará de polêmicas novas a um desfile com autorização religiosa. Primeira a desfilar, a Tom Maior homenageará Elba Ramalho, seguida pela Mocidade, que aproveita para festejar seu jubileu de ouro. Na sequência, com aval da Igreja, a Unidos de Vila Maria falará de Nossa Senhora Aparecida. O Zimbábue, na África, será tema do Tatuapé. Sexta e penúltima a desfilar, a Tucuruvi vai falar de um tema que virou polêmica paulistana só após a escolha do enredo: o grafite. Os pets de Luisa Mell, tema da Águia, encerram o primeiro dia.