Clubes de bordado conectam jovens

Por hobby ou para melhorar a renda, mulheres na faixa dos 20 e 30 anos pegam agulha, linha e bastidor – e se rendem ao trabalho manual

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Por Priscila Mengue
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SÃO PAULO - Em um parque, Renata Dania bordava sozinha até ser interrompida por uma idosa. Talvez esperando borboletas ou pássaros, a mulher demonstrou espanto ao ver o que a jovem desenhava com o fio. “Nossa, uma bundinha. Se fosse assim na minha época, talvez eu tivesse bordado mais”, brincou a senhora.

Meninas do Clube do Bordado gravam vídeo Foto: Amanda Perobelli/Estadão

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Cenas como essas diminuíram a apreensão de Renata e das outras cinco integrantes do coletivo Clube do Bordado, criado em 2013 em São Paulo. “A gente tinha receio que achassem ofensivo. A nossa intenção nunca foi essa. Sempre quisemos valorizar o peso que o bordado carrega, de resgatar a memória das mulheres, perpetuando esse aprendizado de geração para geração”, relata.

Em três anos, o grupo teve mais de 5 mil alunos em cursos presenciais e 80 mil em plataformas a distância. É um dos principais exemplos no País do crescimento das artes manuais entre jovens mulheres que recorrem à técnica como hobby ou alternativa de renda, fenômeno que ainda ganhou traços de ativismo com o crescimento do movimento feminista no Brasil.

A internet impulsionou esse fenômeno por conectar pessoas com interesses comuns e facilitar o acesso a informações, desde imagens com o resultado de trabalhos até vídeos tutoriais. É o caso da fotógrafa Raissa Brito, de 29 anos, que fazia artesanato eventualmente, como hobby e alternativa de renda. Em redes relacionadas ao tricô e ao crochê, conheceu o trabalho do Clube do Bordado, inscrevendo-se em dois cursos. “Como não tinha material, aprendi só o básico com o primeiro, mas depois comecei a ver tutoriais e fiz o segundo curso. No início ficou tudo muito ruim, mas hoje até já misturo algumas técnicas”, diz a moradora de Teresina, no Piauí.

O curso gaúcho Bordado Empoderado também cresceu por causa da internet - e muito mais rápido do que esperava a sua criadora, Bruna Antunes, de 32 anos. Após uma amiga pedir dicas sobre o tema, teve a ideia de dar um curso informal em um espaço de Porto Alegre em janeiro de 2016. Enquanto acertava os detalhes, criou um evento no Facebook. Dois dias depois, já eram 60 interessadas. O jeito foi, então, criar novas turmas. E depois novos módulos, cursos aplicados e temáticos. Em um ano, foram 45 turmas e 400 alunos, a maioria de mulheres.

Para relaxar. “O bordado ocupa as mãos e o cérebro, é onde organizo as minhas ideias. Eu me afastei um pouco quando tinha uns 18 anos, por atribuir a ele um valor negativo, mas, quando precisava me acalmar, acabava voltando, nem que fosse para fazer pontos aleatórios num tecido”, diz Bruna, que aprendeu as técnicas com a avó. 

O aspecto terapêutico do bordado também interessou a publicitária Luisa Rosa. Com 23 anos, ela frequentou um módulo do curso Bordado Empoderado há seis meses. No início, hesitou, mas insistiu em terminar o primeiro trabalho para presentear uma amiga . “Foi do difícil ao muito fácil rapidamente. Bordei a frase ‘respira e não pira’ para ela e gostei do resultado. Ao preencher o espaço, penso em nada. Às vezes, bordo enquanto vejo TV, pois é um modo de dar um refresco e produzir ao mesmo tempo.”

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Renegado, artesanato agora reafirma feminismo

Além de se tornar um hobby, a nova geração vê o artesanato como uma manifestação política. A arte com os fios é um modo de discutir ideias e torná-las acessíveis a um público mais amplo. 

O ativismo surge, por exemplo, nos temas das peças. São frequentes costuras que tratam de violência contra a mulher, questionamento dos padrões de beleza, reafirmação do corpo feminino e uso de frases de contestação. 

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“Sempre bordei temas que me interessaram, como letras de música e seriados. Quando me aproximei do feminismo, ele também se refletiu no que fazia”, diz Bruna Antunes, do Bordado Empoderado. Ela também dá aulas na ocupação Mirabal, na Grande Porto Alegre, espaço onde vivem vítimas de violência doméstica. 

De outra forma, a paulista Karen Dolorez faz do crochê uma arte urbana, como nos projetos A Rua é Minha Tela, que alia a técnica ao grafite, e As Flores da Pele, na qual usou a linha sobre fotografias lambe-lambe de mulheres nuas. “Por ser crochê, ele chega a pessoas que talvez outras artes urbanas não chegariam. Tem apelo emocional, traz lembrança afetiva, muitas vezes ligadas à família, mostrando temas tabu, como a nudez feminina, de forma sutil.”

Karen Dolores mistura grafite e crochê Foto: Werther Santana/Estadão

Mesmo assim, as intervenções não perduraram. “As pessoas tiram com rapidez. Trabalhar na rua tem um tempo de vida diferente”, conta ela, que faz, principalmente, murais.

Para Carla Cristina Garcia, da Faculdade de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), esse fenômeno tem a ver com uma ruptura de outras gerações. “Antes dos anos 1960, era um ato de resistência não bordar um enxoval. Só porque as avós deixaram as artes manuais de lado é que essas jovens podem hoje bordar temas que lhes interessam, até mesmo imagens do próprio corpo”, afirma. 

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Outras artes. A tendência de colocar as mãos na massa não se restringe à costura. Estudante de Artes Visuais, Anália Moraes, de 23 anos, cria cerâmicas e pinturas inspiradas no corpo feminino. 

A jovem estranhava a forma como a nudez das mulheres era trabalhada na graduação. “O meio ainda é muito masculino e sexista, retratando a mulher de forma idealizada, como musa. Queria representar outras facetas”, explica.

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