SÃO PAULO - Duas empresas pertencentes a um dirigente da Federação Paulista de Ciclismo (FPC) são as maiores beneficiadas pelos mais de R$ 2,5 milhões que o governo do Estado de São Paulo destinou à entidade para a implantação de ciclofaixas de lazer nas cidades de Marília, Ribeirão Preto, no interior, e Diadema, no ABC paulista, entre 2013 e 2014. Concorrentes, a Oliveira Transportes e Serviços e Ágil Express, juntas, receberam mais de metade do montante repassado. Para o secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, há indícios de fraude. "É muita coincidência que diversos serviços o sejam por parte de pessoas ou entidades que tenham no seu quadro social pessoas que estão na própria Federação."
Já o professor de Gestão de Políticas Públicas da Universide de São Paulo (USP) Jaime Crozatti critica a falta de "bom senso". "A impressão que a gente tem é de que a coisa está tão fácil e tão mal fiscalizada e punida que as pessoas estão perdendo o bom senso, até mesmo na hora de cometer esse tipo de falcatrua", diz.
No convênio firmado pela Secretaria de Esporte Lazer e Juventude (SELJ) com a FPC para a implantação da ciclofaixa em Ribeirão Preto e em Marília, por oito meses, Ágil Express e Oliveira Transportes receberam R$ 941,1 mil para locações de grades e veículos, entre outros serviços.
Já no convênio referente a Diadema, que vigorou por seis meses, os valores chegaram a R$ 361,8 mil. Documentação obtida pela Rádio Estadão mostra que as duas empresas concorriam nas tomadas de preço apresentadas pela FPC à secretaria. A Time Mkt, de Marcelo Gomes Coelho, outro dirigente da federação, também participou das concorrências.
À época em que os convênios vigoraram, entre 2013 e 2014, Rogério Barrenha Benucci era, ao mesmo tempo, membro suplente da atual gestão da federação e sócio de Luciana Benucci na Ágil Express. Apesar de não aparecer no quadro societário da Oliveira Transportes, da qual o único sócio é Fernando Barrenha de Oliveira, Luciana assina todos os orçamentos da empresa nas tomadas de preços.
Ouça a reportagem da 'Rádio Estadão':
Sediadas em São Bernardo do Campo, no ABC, as duas empresas têm seus sites cadastrados em nome da mesma pessoa, Luciana, cujo telefone para contato é o número comercial da Ágil Express.
A atendente da Ágil confirmou, à Rádio Estadão, que ali funciona também a Oliveira Transportes. Questionada sobre quem responde pelas duas pessoas jurídicas, a atendente foi categórica. "Vou te passar o telefone da proprietária, a Luciana Benucci."
Luciana já é alvo de inquérito aberto pelo Ministério Público Estadual (MPE) de São Paulo, em 2012. O órgão investiga irregularidades relacionadas a convênios entre a SELJ e a ONG Lineri, presidida à época por Luciana.
Segundo dados do TSE, a empresária - que é sócia e parente de um membro da FPC - doou, em 2010, R$ 1,2 mil para a campanha a deputado estadual de Marcos Mazzaron, então presidente da entidade. Ele concorreu pelo PTB, sigla que comandou a pasta estadual dos Esportes entre 2006 e 2014.
Apenas no último mandato do governo estadual, mais de R$ 24 milhões foram repassados à FPC pela SELJ, para Centros de Excelência, ciclofaixas de lazer - que são ativadas aos fins de semana, separando a via exclusiva para ciclistas por meio de cones -, competições regionais, internacionais e mesmo eventos amadores, como jogos escolares.
O convênio para a ciclofaixa de Diadema inicialmente previa a instalação da mesma em Paraisópolis. A alteração no projeto foi pedida pela FPC à SELJ porque a federação observou que a rua que havia sugerido tinha fluxo maior de carros aos domingos do que durante a semana.
Comissão interna. Em nota, a SELJ informa que os convênios mencionados pela reportagem estão sendo auditados por uma comissão interna da pasta instaurada em abril deste ano, após o Estado denunciar supostas irregularidades nos contratos com outras entidades, entre ONGs, federações e confederações.
A SELJ reforça que cabe à instituição beneficiada o cumprimento integral do contrato e o uso devido da verba repassada, informa que o programa Ciclofaixas de Lazer passa por reformulação desde o início deste ano e que será substituído pelo Pedala São Paulo, ainda em fase de estudos.
Procurada pela Rádio Estadão, Luciana Benucci e Silva não atendeu as ligações até a publicação desta reportagem.
Duas semanas depois de receber os questionamentos da Rádio Estadão, a Federação Paulista de Ciclismo encaminhou a apuração ao departamento jurídico e não se manifestou. O empresário Marcelo Gomes Coelho não retornou as ligações da reportagem.