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Casarão que foi símbolo de luxo no Rio agora abriga a Casa Cor

Edificação construída em 1922 na zona sul entrou em decadência e começou a ser reformada no início dos anos 2000

Por Heloisa Aruth Sturm e RIO
Atualização:

RIO - O casarão quase centenário já foi hotel, hospital, internato e casa estudantil. A construção foi pensada para valorizar o entorno: as amplas janelas, o terraço e o mirante constituem os numerosos espaços de onde se pode apreciar as margens da Baía de Guanabara e a vista para o Pão de Açúcar. Com localização privilegiada, entre as praias de Botafogo e Flamengo, zona sul do Rio, o espaço que passou por uma franca decadência nas últimas décadas ressurge revigorado para abrigar a versão carioca da Casa Cor, mostra de arquitetura de interiores que começou ontem e vai até 19 de novembro.

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Em meio aos 52 ambientes criados pelos participantes do evento na edificação de mais de 4 mil m² de área construída, é possível observar as marcas do tempo e resgatar um pouco da história do local. O edifício na avenida Rui Barbosa foi erguido em 1922, para acomodar os ilustres hóspedes que viriam ao País participar das comemorações do Centenário da Independência do Brasil.

A empreitada fazia parte dos planos do então Prefeito do Distrito Federal, o engenheiro Carlos Sampaio, de transformar a zona sul carioca num balneário de luxo, desenvolvendo a vocação turística da cidade. De arquitetura eclética com tendência clássica, o projeto dos irmãos italianos Antonio e Francesco Jannuzzi (os mesmos que desenharam o Palácio Pedro Ernesto, sede da Câmara Municipal) era formado por quatro prédios e contemplava, além das quase duas centenas de quartos, um restaurante e cabines de banho.

Hotéis da costa. "São espaços que caracterizam o 'ver e ser visto'. Essa relação entre o exterior e o interior era sempre utilizada no mediterrâneo, área de veraneio da elite, e a arquitetura desse prédio é característica dos hotéis da costa francesa e da italiana", afirma a arquiteta Maria Helena Hermes, que acompanhou a restauração do edifício em sua primeira fase, no início dos anos 2000. Na construção foram utilizados materiais de altíssimo padrão: mármore de Carrara, telhas francesas, vigamento metálico escocês e ladrilhos hidráulicos europeus, que se mesclavam aos produtos nacionais, como os pisos trabalhados de peroba do campo e de madeira roxinho.

Mas a existência do Hotel Sete de Setembro foi efêmera. Apenas quatro meses depois de sua inauguração, o empreendimento fracassou e foi desmembrado para que, em 1924, parte dele desse lugar a um hospital infantil, o Hospital Abrigo Arthur Bernardes.

Dois anos depois, uma outra edificação seria adaptada para abrigar o Internato da Escola de Enfermagem Anna Nery, que funcionou no local durante quase 50 anos. O quarto que serviu de residência para a então estudante de enfermagem Teresinha de Jesus foi escolhido pelo arquiteto Fábio Bouillet para abrigar o 'estúdio high tech', um ambiente prático e moderno assinado em parceria com Rodrigo Jorge. A escolha daquele quarto em particular não foi por acaso. Teresinha, de 75 anos, é mãe de Bouillet.

"Minha mãe já sabia que a mostra ia ser naquele prédio, mas eu não falei o que pretendia. Um dia, liguei e perguntei: 'qual foi o quarto onde a senhora morou?' Aí ela ficou muito emocionada". Bouillet disse que no início não queria levá-la até o casarão, porque o local estava abandonado e muito degradado. "Não queria que ela passasse por esse choque". Agora, ele planeja levá-la à exposição nesta semana. "Quero ver a carinha dela quando ela vir tudo pronto".

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Dos anos em que o casarão abrigou a Casa do Estudante Universitário, entre 1973 e 1995, ficou o poema -pôster "Amor Construção", do baiano Luciano Jatobá, estampado em uma das paredes do primeiro pavimento e que ganhou lugar de destaque no ambiente criado pela arquiteta Gisele Taranto. O desenho já desgastado remonta aos anos em que jovens sereuniam ali informalmente para promover debates políticos e criar um pólo de contracultura em pleno regime militar - dali surgia o embrião do Comitê Brasileiro pela Anistia.

Tombado em 1987, o espaço começou a se degradar até que, em 1995, foi retomado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. O processo de restauração se estende até hoje, e a idéia é transformar todo o local no Colégio Brasileiro de Altos Estudos (Cbae/Ufrj), que ocupa uma parte já recuperada com investimentos em parceria com a Petrobrás.

Além de sediar conferências, seminários e encontros culturais, o centro de estudos terá também um espaço para hospedar professores visitantes, retomando aquela vocação inicial do casarão. "A ideia de montar o Casa Cor ali é divulgar o prédio e com isso conseguir captar mais recursos para a obra de restauração" afirma Maria Helena. "É a oportunidade do carioca conhecer um patrimônio que é seu, é público. E isso é fundamental, porque só se respeita o que a gente conhece."

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