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Carnaval em SP com diferentes sotaques

No sambódromo e nos blocos de rua, refugiados participam cada vez mais da festa

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Por Marcela Paes
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Em seu terceiro mês em São Paulo, ainda sem emprego fixo, casa e com poucas palavras de português no vocabulário, o professor nigeriano Shakiru Kareen, de 33 anos, conseguiu o que classificou como "trabalho dos sonhos": uma posição entre os empurradores de carros alegóricos no Anhembi.

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"Eu usava mímica e o Google Translator para me comunicar com o funcionário (do Anhembi) e implorar por um ingresso. Ele resolveu me ajudar e me mandou falar com outra pessoa. Quando entendi o que estava acontecendo, não acreditei. Ia ganhar dinheiro e ainda ver tudo aquilo de perto", conta ele, que veio para cá em 2014.

O nigeriano Kareen conseguiu trabalho como empurrador de carros alegóricos no Anhembi: 'Não acreditei' Foto: Nilton Fukuda/Estadão

Assim como Kareen, muitos refugiados sabem pouco sobre o Brasil, mas a grande maioria já ouviu sobre a festa - e o futebol. "Mas mesmo tendo só o carnaval como referência, muitos relutam em participar das festividades no início. Por questões religiosas, a adaptação dos muçulmanos, por exemplo, é bem mais lenta", afirma Luis Venturi, professor do departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP).

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A palestina-síria Rawa Alsahjer, de 21 anos, passou seu primeiro carnaval no País em 2015, trancada no quarto. Recém-chegada a São Paulo, Rawa estava deprimida e de luto pela morte do pai. Fugindo da guerra na sua terra natal, ela e os irmãos haviam se mudado para outros países. "Não tinha amigos, não falava a língua e estava triste", conta ela, que depois reencontrou a família.

A empolgação com a festa só começou no ano passado, quando ela e os colegas de trabalho percorreram o centro em busca de blocos. "Fomos em um grupo de 15, sem muito destino, íamos cada hora para um lado. Era a primeira vez no carnaval para a maioria de nós."

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Neste ano, Rawa promete repetir a dose. "Dessa vez vou me preparar melhor, usar mais maquiagem." E ela diz não ficar intimidada com as cantadas, que aumentam nessa época. "Muita gente aqui pensa que não temos assédio na Síria. Lá tem isso também."

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Rawa também quer usar a oportunidade para mostrar aos brasileiros um pouco de sua cultura. Vai levar a bandeira da Palestina e cantar músicas do país em cima do carro de som do Bloco do Fuá, que sai no domingo. "É importante que os brasileiros saibam o que tem por trás dessa bandeira."

No clima. A vontade de ver o mar fez com que o sírio Abdulbaset Jarour, de 28 anos, fosse para uma praia "que achou no Google", um mês depois de se estabelecer em São Paulo, em 2014. Quando chegou a Bertioga, no litoral norte do Estado, viu uma aglomeração que dançava, ouvia música alta e usava "roupas estranhas".

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"Logo me jogaram espuma, bem no olho. Não entendi nada até voltar para São Paulo. Foi aí que um amigo na mesquita me explicou que era carnaval", conta o sírio.

"Acho o carnaval lindo. Está todo mundo na rua: negros e brancos, ricos e pobres. Claro, o preconceito, o racismo e as diferenças sociais não deixam de existir, mas é um momento de diversão", elogia ele, que já usou como fantasia em um dos blocos que foi em 2016 as roupas típicas que costumava trajar só às sextas na Síria. "Fez bastante sucesso, me pediam para tirar foto."

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Exceto pelo figurino, a postura de Jarour nos blocos costuma ser discreta. Muçulmano, ele não bebe, não dança - "porque não sei" - e não costuma aproveitar o clima de paquera. "Não julgo o que os brasileiros fazem. Faz parte da cultura daqui", diz Jarour.

Mas nem tudo é festa. Os refugiados criticam episódios de violência e a sujeira nas ruas após a folia. "Mas a pior coisa é essa mania de fazer xixi na rua. Com isso não vou me acostumar nunca", diz Rawa.

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