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Cápsula do tempo exibe Paraitinga de 1927

Caixa com documentos e jornais havia sido enterrada na Matriz destruída pelas chuvas

Por Bruno Paes Manso e SÃO LUÍS DO PARAITINGA
Atualização:

Um cartaz anunciando o bônus da Independência, espécie de loteria de antigamente, com prêmio acumulado em 500 contos de réis a ser sorteado em 1927. Um exemplar do jornal O Luizense, de São Luís do Paraitinga, de 18 de dezembro do mesmo ano, contando a saga de dona Adelaide, que havia se vingado do marido boêmio naquela semana. A programação do Cine Éden Paulista e do Teatro Santinha. O anúncio para a contratação de dez professores com segundo grau para trabalhar na escola rural da cidade.Embaixo dos 5 mil metros cúbicos de entulhos que restaram da Igreja da Matriz, prédio que desabou no começo do ano durante as enchentes que inundaram São Luís do Paraitinga, dentro de uma caixa de madeira úmida, um conjunto de documentos, jornais e informações sobre o ano de 1927 na cidade levaram alguns habitantes a viajarem no tempo, na manhã de anteontem.A caixa, aberta na Casa de Oswaldo Cruz pelos arquitetos do Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan), foi chamada de "cápsula do tempo" e havia sido enterrada em 1927 perto do que era o altar central da Igreja da Matriz.Contexto. O prédio, construído no começo do século 19 com uma só torre, acabou passando por importantes reformas. Na principal mudança, uma segunda torre foi construída. Foi nesse ano que o coletor de impostos Romillo Guimarães, muito ligado à igreja da cidade, aproveitou para colocar a cápsula do tempo perto do altar. "Esse é um ritual que a Igreja Católica mantém até hoje quando uma nova igreja é construída. Ajuda a conhecer o contexto da época da construção. Difícil é vermos um resultado tão gratificante", diz a historiadora da Diocese de Taubaté, Olga Rodrigues de Souza, que estava presente na cerimônia.Romillo, o construtor da caixa, era pai do luisense Ary Guimarães que ontem, aos 83 anos, participou da cerimônia de abertura. A caixa foi colocada na Matriz quando Ary tinha 1 ano. Oito anos depois, Romillo foi assassinado em uma emboscada. Ontem, avisado de surpresa, Ary imaginava que iria encontrar talheres de prata. Chorou ao ver uma carta do pai explicando o objetivo da caixa e uma foto do irmão mais velho, João Guimarães, ainda bebê. "Meu pai era uma pessoa simples, mas digna e bem relacionada. Vai ser importante entrar em contato com essa parte da história."O principal documento encontrado na cápsula do tempo foi um caderno manuscrito, com cerca de 200 páginas, nas quais nomes de moradores, descrições de prédios e estabelecimentos, dados de políticos e autoridades e diferentes aspectos de São Luís do Paraitinga em 1927 são citados folha a folha, com fotos de antigamente, nome de todas as ruas e até o preço estimado de cada uma das casas. É o que historiadores chamam de polianteia.Para evitar que o material fosse danificado, os documentos ficaram expostos por somente cerca de 30 minutos sobre uma mesa, tempo suficiente para os presentes darem uma rápida olhada e entenderem o que haviam descoberto. "Se existe alguma coisa boa nessa tragédia é que estamos conhecendo melhor a nossa história e discutindo bastante a cultura da cidade", disse a prefeita, Ana Lucia Bilard.A própria prefeita descobriu que seu avô havia feito parte dos fornecedores de tijolos usados na Igreja Matriz. Na época, cada tijolo vinha com o nome do dono da olaria que o produziu. O nome do avô de Ana Lucia estava em um lote deles. "Não sabia que ele trabalhava nessa área." Conservação. Depois de saciar a curiosidade sobre o conteúdo da caixa, os objetos foram embalados e guardados, sob a coordenação da restauradora Norma Cianflone Cassares, da Associação Brasileira de Encadernação e Restauro. Serão mantidos em um ambiente com umidade abaixo de 55% para evitar a proliferação de fungos. Os documentos e jornais serão copiados e servirão como relíquias e fontes de informações sobre Paraitinga.QUEM ÉARY GUIMARÃESFILHO DO CRIADOR DA CÁPSULA DO TEMPOAry Guimarães, de 83 anos, filho de Romillo, que colocou a cápsula do tempo sob a Matriz, tem o mesmo hábito do pai. Fã de cinema, mantém até hoje os cartazes dos filmes que passavam no Cine São Luís nos anos 1930: Grito na Noite, Código de Heróis, Carne de Corvo e o Último Chá do General Yen. Antes do cinema, um morador chamado João Minhoca fazia teatro de sombras. "A cidade sempre gostou de cultura."PARA LEMBRAREnchente destruiu cidade histórica de SPAs fortes chuvas que caíram na virada do ano-novo em São Luís do Paraitinga destruíram casarões históricos da cidade. As duas principais igrejas - Matriz de São Luís de Toloza e a Capela das Mercês - tiveram suas estruturas lançadas ao chão. O nível do Rio Paraitinga subiu mais de 8 metros e 60% da população, de um total de 10,9 mil pessoas, foi afetada pelas enchentes. Com as cheias, dos 425 imóveis tombados pelo conselho estadual de patrimônio (Condephaat), 18 foram totalmente destruídos e 70 ficaram parcialmente arruinados. Durante as chuvas, um homem de 43 anos morreu em consequência de um deslizamento de terra.

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