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Após 2 anos, sistema Detecta da polícia não identifica crimes, diz TCE

Promessa de campanha do governador Alckmin (PSDB), programa deveria integrar câmeras das polícias e bancos de dados; hoje, há funcionalidade reduzida em 17 locais, segundo relatório do tribunal

Por e Fabio Leite
Atualização:
Fiscalização. Câmeras interligadas ao projeto só são capazes de indicar problemas na via Foto: Rafael Arbex / Estadão

SÃO PAULO - Um relatório de fiscalização do Tribunal de Contas do Estado (TCE), concluído em junho, afirma que o programa Detecta, sistema eletrônico criado para permitir o uso de imagens de câmeras pela Secretaria Estadual da Segurança Pública (SSP), ainda não é capaz de analisar crimes filmados. Conforme os técnicos, a ferramenta “vídeo analítico” não está disponível, apesar de o governo informar que esse monitoramento já é uma realidade. A secretaria paulista diz que os problemas apontados pelo TCE estão resolvidos ou passam por alteração.

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Para os técnicos do TCE, que ficaram 15 meses investigando esse projeto - por meio da análise de documentos, entrevistas com policiais e vistorias in loco em centros de comando, delegacias e batalhões -, há conflitos entre sistemas operacionais, falta de infraestrutura e treinamento para que de fato se substituam agentes no monitoramento 24 horas de imagens de segurança.

"Constatou-se que o Detecta ainda não oferece a ferramenta ‘vídeo analítico’, que seria capaz de identificar comportamentos, deixando de atender à demanda requerida pela SSP”, diz a conclusão do relatório do TCE. “O projeto Detecta está em andamento há praticamente dois anos, desde abril de 2014, e ainda não apresenta resultados efetivos para a segurança pública.”

O programa foi a principal proposta para a segurança do governador Geraldo Alckmin (PSDB) durante a campanha de reeleição de 2014. A propaganda eleitoral afirmava que, até o fim de setembro daquele ano, todas as câmeras das polícias e todos os bancos de dados estariam interligados. Dizia-se, por exemplo, que o sistema identificaria uma pessoa entrando em um comércio usando capacete - indicativo de que pudesse ser um assaltante - e o sistema emitiria um alerta para um policial, que receberia também histórico criminal do local para acionar a viatura mais próxima.

O contrato para a instalação do sistema, feito entre o governo e a Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo (Prodesp), acabou rescindido em setembro do ano seguinte, de forma amigável, sem atendimento da demanda. Em dezembro do ano passado, novo contrato foi assinado, por R$ 9,7 milhões, para terminar a instalação do projeto - cujos sistemas são fornecidos pela multinacional Microsoft, contratada pela Prodesp.

Fiscalização. Segundo o TCE, apenas 17 câmeras de vigilância em todo o Estado têm a função de análise de imagens ativas - e nenhuma delas é capaz de identificar um homem com capacete em um comércio. O que o sistema faz é relatar ações mais simples: pedestre na via, moto parada entre carros parados e automóvel parado no acostamento em via expressa.

Os problemas relatados pelo TCE começam no planejamento de instalação do sistema. “A solução da Microsoft não foi testada em São Paulo antes da efetivação do contrato, para validar se suas funcionalidades estavam aderentes aos requisitos do software inteligente demandados pela SSP”, diz o relatório. Os técnicos descrevem dificuldades de operação: “Sistema oscilando, apresentando lentidão e travando, dificultando as consultas; sistema apresentando divergências de informações, por exemplo: um veículo que já teve a baixa no sistema (regularização) continuava a aparecer em situação de crime”, relatam. Eles destacaram ainda que 77% dos valores pagos se referiram à manutenção dos sistemas instalados, e apenas 23% para o desenvolvimento do sistema, o que o TCE chamou de “desequilíbrio”.

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Por fim, o tribunal também aponta dificuldades de adaptação entre o Detecta, que usa sistema Windows, de seu fabricante, com o sistema de código aberto Linux, padrão dos softwares da Polícia Civil. E destaca que o contrato da Prodesp com a Microsoft, em todas as etapas e com todas as atualizações de infraestrutura necessárias, deve requerer investimento extra de R$ 22,2 milhões.

Avanço. Para o sociólogo Renato Sérgio de Lima, vice-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a proposta do Detecta é avançada e requer melhorias na infraestrutura das polícias. “É uma inovação em uma área não muito acostumada a inovações.” Ele, porém, destaca a pouca quantidade de policiais que usam o sistema. “A pergunta que fica é: está se investindo na compra de um programa ou se está investindo no ciclo todo, com capacitação?”

Pontos do projeto já foram alterados, segundo secretaria

A Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou, em nota, que os problemas destacados pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) no programa Detecta “já foram resolvidos ou passam por alterações”, sem dar mais detalhes. A pasta estadual afirma que o Detecta é um “big data” que integra bancos de dados das polícias paulistas e tem câmeras integradas ao sistema.

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A nota confirma a limitação relatada pelo TCE em relação às funcionalidades de monitoramento de vídeo já ativas: “Estão em operação três opções de vídeos analíticos - análise de veículos parados no acostamento, pedestres passando pela via e motocicleta parada ao lado de veículo. A Polícia Militar é quem analisa qual será a melhor estratégia de abordagem para os vídeos analíticos, que se adaptam para cada tipo de via e câmera”.

Ainda de acordo com o texto, “a implementação do sistema, iniciada em 2014, colocou à disposição das polícias um sistema de busca que correlaciona o local do crime no mapa com os dados das pessoas, veículos, procurados, imagens de câmeras de vídeo e registro de leitor de placas, entre outras informações”.

A nota cita ainda um crime em que o sistema foi usado: dois ladrões presos nesta sexta em Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo, que estavam em um carro cuja placa havia sido incluída no sistema após um crime anterior e foi detectada. 

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