Anistiados após motins, policiais militares crescem na política

Líderes de ações na Bahia e no Rio têm assentos garantidos no Legislativo; Especialistas se dividem entre a necessidade de se oferecer ferramentas legais para garantir a liberdade de expressão e a tarefa de punição para evitar novos movimentos grevistas

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Por Marco Antônio Carvalho
4 min de leitura

SÃO PAULO - Às 16h54 de 4 de fevereiro de 2012, Marco Prisco Caldas Machado conversava por telefone com Benevenuto Daciolo Fonseca dos Santos. Comentavam a repercussão da greve dos policiais militares na Bahia, a qual tinha como um dos líderes o então soldado Prisco e que naquele sábado chegara ao quinto dia de duração. Do outro lado da linha, ele recebia o apoio do cabo Daciolo, que prometia o engajamento dos bombeiros do Rio de Janeiro em apoio ao movimento baiano. Em comum, cinco anos depois daquela data, Prisco e Daciolo agora têm assentos assegurados pelo voto popular em casas legislativas: o baiano é deputado estadual e o catarinense radicado no Rio, federal. 

Movimento grevista na Bahia em 2012durou 12 dias e foi marcado pela resistência violenta dos policiais em seguir com a paralisação Foto: ERNESTO RODRIGUES/Estadão

Prisco ainda receberia durante aquele movimento, que durou 12 dias e foi marcado pela resistência violenta dos policiais em seguir com a greve, o apoio do cabo Jeoás Nascimento dos Santos, da Polícia Militar potiguar - e que foi vereador em Natal - e do capitão Wagner - ex-vereador em Fortaleza, e hoje deputado estadual no Ceará. A articulação entre os líderes foi identificado pelo Ministério Público Federal em interceptações telefônicas que compõem o conjunto de provas no processo em que procuradores acusam sete pessoas de cometerem crimes contra a segurança nacional durante a paralisação de 2012.

O processo tramita desde 2013, ainda sem sentença. Essa, porém, é uma das poucas tentativas judiciais de responsabilizar policiais por envolvimento em greve, mobilização que é vetada aos militares na Constituição Federal. Na contramão dessa responsabilização, o Congresso aprovou e o presidente Michel Temer promulgou em junho do ano passado, uma lei que estende a anistia a policiais e bombeiros militares envolvidos em atos reivindicatórios “por melhorias de vencimentos e condições de trabalho”. Em 2010 e 2011, os ex-presidentes Lula e Dilma já haviam promulgado leis com conteúdo similar.

Especialistas se dividem entre a necessidade de se oferecer ferramentas legais para garantir a liberdade de expressão da categoria e a tarefa de, diante da transgressão legal, punir seus membros com eficácia para evitar novos movimentos grevistas. 

Ao todo, polícias de 23 Estados fizeram algum tipo de paralisação desde 2004, cujos líderes deixaram de atuar somente em assembleias das categorias para, de fato, ocupar a tribuna de assembleias legislativas, muitas vezes com respaldo popular recorde. Esse cenário histórico destoa da atuação de autoridades do Espírito Santo em tentar responsabilizar policiais ligados à paralisação da categoria neste ano, que se estendeu por 22 dias em fevereiro, período no qual 199 pessoas foram assassinadas no Estado. 

Mais de mil agentes foram indiciados por crime de revolta, previsto no Código Penal Militar.A Justiça Militar chegou a decretar a prisão de quatro policiais por envolvimento no motim, sob acusação de incitar o movimento e de aliciar outros policiais. Os processos de responsabilização ainda tramitam. No Congresso, um projeto de lei para anular as eventuais penas já foi apresentado (mais informações nesta página). 

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Para o sociólogo e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal, Arthur Trindade, a impunidade incentiva a realização de novos movimentos grevistas. “As polícias têm essa capacidade de chantagem absurda que inviabiliza todo e qualquer plano de segurança. Vive-se sob essa ameaça de greve”, disse. “Precisa ser aplicada uma punição que depois não acabe sendo anistiada por parlamentares ligados à bancada da bala, com seus integrantes que também são militares”, acrescentou. 

Apesar de não concordar com a realização do movimento grevista, o coronel da reserva e ex-comandante da Polícia Militar de São Paulo Carlos Alberto Camargo vê “falta de lucidez” no debate. “O problema evoluído como está agora, com greves, decorre da existência de situações não resolvidas anteriormente. O problema não nasceu com a primeira mulher que ficou na porta do quartel”, disse. “Se a gente quer uma polícia que, mais do que manter a ordem, respeite os direitos humanos, uma polícia de proteção da dignidade e capaz de despertar nos seus integrantes vocação de serem promotores da dignidade humana, é preciso que esses policiais sejam tratados como cidadãos que são respeitados.” 

O procurador de Justiça junto ao Tribunal de Justiça Militar em São Paulo Pedro Falabella Tavares de Lima vê os policiais “emparedados”. A polícia não pode fazer greve. Mas, mesmo como integrantes essenciais da vida em sociedade, você os remunera mal. Me parece lógico que isso não vai funcionar. Precisamos, nós da sociedade, defender melhores salários para a categoria”, disse. “Eles estão emparedados por governos que não quer lhes dar salários dignos.” 

Liberdade. Para a diretora do escritório Brasil da Human Rights Watch, Maria Laura Canineu, a discussão sobre a liberdade de expressão da categoria passa pelo questionamento da natureza militarizada da força. “Os próprios policiais desejam a desvinculação com o Exército, cujo ambiente assevera a violência e o combate. Assim, não existem espaços para dialogar adequadamente, gerando uma frustração muito grande nos policiais, que acabam explodindo como houve no Espírito Santo”, disse. 

Maria, que desenvolveu uma pesquisa recente sobre a liberdade de expressão na corporação, disse ter ouvido de integrantes que as punições exageradas a quem tenta discutir as condições de trabalho causa inibição. “A sociedade tem de reconhecer que cada vez mais os policias trabalham em condições difíceis, não só pelos altos níveis de criminalidade, mas também pela questão da estrutura à sua disposição e da jornada de trabalho extenuante.” 

A reportagem contatou em três oportunidades o gabinete do cabo Daciolo na Câmara para comentários sobre o assunto, mas não obteve retorno. A assessoria do capitão Wagner não apresentou respostas aos questionamentos e o cabo Jeoás não foi localizado. 

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