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Alphaville: da vida calma ao pesadelo de trânsito e filas

Boom de escritórios, que cresceram 750% em 8 anos, lota lojas, ruas e restaurantes de residenciais que antes atraíam pelo sossego

Por e Rodrigo Brancatelli
Atualização:

"Cemitério dos vivos." Era assim - com esse, digamos, carinhoso apelido - que a dona de casa Elaine Prado chamava Alphaville quando se mudou para a região, há cerca de 18 anos, com marido e dois filhos. "Não tinha nada, absolutamente nada, um sossego, só mato e casas", lembra, com um sorriso irônico no rosto, enquanto faz compras às 15 horas de uma quarta-feira. Atualmente, esse é justamente o único horário que ela consegue ir ao supermercado. Ir ao shopping ou ao centro comercial de Alphaville de manhã ou no fim da tarde virou tarefa impossível para Elaine. Restaurante de dia de semana? Também nem pensar. "Agora tenho de seguir o horário dos outros, porque aqui virou um inferno. Já às 7 horas está tudo parado; na hora do almoço, ninguém anda; no fim do dia, vira um estacionamento de carros", resume ela, já sem o menor sinal de sorriso. Após 18 anos morando no "cemitério dos vivos", na ironia das ironias, Elaine quer agora fugir de toda essa confusão e voltar para São Paulo. Um passeio por Alphaville, no município de Barueri, a 26 quilômetros da capital, basta para atestar o fenômeno. O bairro criado para ser cópia dos subúrbios americanos está virando uma espécie de Avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini, com seus prédios espelhados, torres residenciais e espigões empresariais. Com o inchaço do loteamento e de seu entorno nos últimos anos e a atração dos incentivos fiscais, diversas empresas se mudaram para a região. Para se ter ideia do cenário, o setor de imóveis corporativos já cresceu 750% desde 2003. Hoje o número de pessoas que saem diariamente de Alphaville para trabalhar em São Paulo já é quase igual ao de moradores da capital que se deslocam a Alphaville para trabalhar na região. Só que a estrutura do bairro não acompanhou esse ritmo - como pode ser visto pelos congestionamentos e filas em restaurantes, lojas, bancos, supermercados e farmácias. Moradores mais antigos lembram com certo saudosismo de quando algumas praças da região ostentavam uma placa em que se lia: "Não faça surgir em Alphaville as razões que fizeram você sair de São Paulo." O pedido não deu resultado. Com a saturação de sua estrutura, Alphaville vai se transformando em um exemplo de como o desenvolvimento sem planejamento acaba com a qualidade de vida dos moradores. São 12h50 da quarta-feira e já não há mais vagas no valet de vários restaurantes da Avenida Rio Negro, uma das principais artérias da região. Fifties, Galeto"s, Almanara e outras redes de lanchonetes estão abarrotados. O trânsito é idêntico ao dos Jardins, da Avenida Paulista, da Brigadeiro Faria Lima. No horizonte, gruas trabalham sem parar na construção de dezenas de prédios - muitos espelhados, outros de estilo neoclássico, que imitam os da capital. É como se o "american way of life" tão propagado de Alphaville tivesse definitivamente se rendido ao "paulistano way of life".

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