Ex- professor de Direitos humanos da PM é atacado por oficiais em rede social

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Por Bruno Paes Manso
Atualização:

O advogado  Dimitri Sales é doutor em direito constitucional e trabalha com temas ligados a direitos humanos. Por dois anos, entre 2010 e 2011, deu aulas da matéria no Barro Branco, escola que forma oficiais da PM. No ano passado, eu acompanhei uma aula que ele deu para oficiais que iriam comandar o policiamento da Parada Gay. Dimitri falou sobre diversidade sexual e deu dicas sobre como agir no evento. O trabalho da PM na Parada Gay sempre foi muito bom. Milhões de pessoas vão às ruas de SP, bebe-se muito, mas ao longo da história não me lembro de qualquer confusão relevante. Na Parada Gay, a PM age como dela se espera. Os manifestantes são tratados com respeito.

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Na quarta-feira, contudo, o professor criticou em sua página no Face Book a tática usada pela PM para sufocar a manifestação de sábado, que resultou na detenção em massa de manifestantes e na agressão de inúmeras pessoas. Foi o que bastou para que Dimitri sentisse o peso do clima na corporação em relação aos protestos. Lidando com desmandos políticos, enfrentando altos e baixos, a corporação parece trafegar em uma montanha russa há quase um ano. Em junho, bateu nos manifestantes diante das câmeras quando pensava que era isso que a população esperava O excesso de covardia em horário nobre a levou a ser duramente criticada e acabou acendendo o pavio das manifestações no Brasil.

Em seguida, Governo e comando sentiram o golpe e decidiram recuar. Eu testemunhei o quebra-quebra dos black blocs na Prefeitura, no centro de SP, por três horas em junho, a 100 metros da Secretaria de Segurança, sem que os policiais nada fizessem para impedir. A omissão da PM foi novamente criticada. A corporação parece até hoje tentar encontrar a forma correta para agir. Só que não consegue achar. Nas ruas, inevitavelmente, os abusos aparecem, como se a tropa não conseguisse se controlar. Essa tensão transparece nos ataques feitos em rede ao ex-professor de direitos humanos da Academia, cujos trechos mais relevantes seguem abaixo.

No geral, tenentes, ex-alunos de Dimitri, repetem clichês em defesa da arbitrariedade da polícia e atacam aqueles que tentam denunciar os abusos e desvios da corporação, como se essa postura crítica prejudicasse a PM ao invés de contribuir para a melhora. Abaixo, seguem trechos do diálogo:

Dimitri Sales: "A ação da Polícia Militar de São Paulo na manifestação do último sábado foi tão arbitrária, que a OAB/SP, enfim, se manifestou. De forma coerente, o presidente Marcos da Costa repudiou a "ação premonitória" da PM e apontou abusos. Segundo a imprensa, será criado um grupo para investigar a ocorrência de abusos e denunciá-los! Já o Coronel que comandou a operação aprendeu direitinho com o Governador Geraldo Alckmin ao afirmar que "se algum policial cometeu algum desvio, isso vai ser apurado"... Só que não! Até então nenhum ato de abuso cometido durante as manifestações de 2013 foi punido! E por falar no Governador, mais uma vez Alckmin comete um impropério que desqualifica o cargo que ocupa! Perguntado sobre a ação praticada pela Polícia Militar, ao invés de zelar pelas leis, estimula o arbítrio: "Muito bem sucedida. Tivemos menos confronto, menos violência, menos depredações, menos pessoas feridas, menos estragos de uma maneira geral"... Ou seja, em nome da ordem, às favas com a lei!" Geraldo Alckmin não aprendeu com junho de 2013, vai amargar um agitado março de 2014!"

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Um tenente começa o debate:

"Então me responda Sr Dimitri Sales ... O que seria razoável de acordo com seu ponto de vista???Os policiais simplesmente observarem a depredação de tudo e cruzarem os braços??? Ou apanharem em uma face e darem a outra para apanhar???Não entendi a arbitrariedade neste caso..."

O diálogo pareceu que transcorreria de forma respeitosa. Dimitri responde:

"Meu caro, há a exata medida e a Corporação não a desconhece. É dever da Polícia evitar a depredação e não é direito de ninguém agredir qualquer pessoa, tampouco policiais. A ação do último sábado foi "preventiva" e, no Estado de Direito, é incabível cerceamento de liberdades por mera precaução. A Polícia tentou inovar no método de ação, adotando uma medida extremamente controversa. No meu entendimento, inadequada"

Outros alunos entraram na discussão. Foi quando a barra começou a pesar. Outro tenente passa ao ataque:

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"Professor, o senhor fala de mais, mas NUNCA, nem nos bancos da gloriosa ACADEMIA o senhor não nos ensinou como atuar. (...) De admirador de sua pessoa, passei a desconfiar de sua postura, que se transveste de defensor dos Direitos humanos, mas na verdade só defende o "errado". Pra mim o senhor só fala e não FAZ NADA. O PCC dominando o País, policiais e cidadãos de bem morrendo todo santo dia e o SENHOR NÃO FALA NADA SOBRE ISSO NUNCA. SÓ FICA DE BLÁ BLÁ BLÁ. NA BOA... ME DÁ LICENÇA"

Houve quem tentasse manter o debate em nível elevado, tentando convencer o professor da legitimidade da ação.

"Não existe cerceamento de direitos (lembrando que NENHUM direito é absoluto quando se trata de ordem pública), tampouco existe "ação premonitória" quando policiais agem com base em fundadas suspeitas, estas baseadas na análise de comportamentos e contextos acontecidos reiteradamente em manifestações anteriores".

Só que os ressentimentos começam a transparecer. Um oficial aproveitou para desabafar em caixa alta:

"PORRA, JÁ QUE É PRA FALAR MAU DA PM, PQ NÃO SE FALA DA MERDA QUE É O SALÁRIO???? PQ NÃO SE FALA DAS CARGAS HORÁRIAS QUE FODEM COM A SAÚDE FÍSICA E PSICOLÓGICA DO SER HUMANO POLICIAL MILITAR???? PQ NÃO SE FALA QUE O PM NÃO TEM SÁBADO. DOMINGO, NEM FERIADO????  NOS ESTAMOS SENDO ATACADOS POR TODOS OS LADOS. NÃO TEMOS FUNDO DE GARANTIA, NÃO TEMOS AUXÍLIO RECLUSÃO, NÃO TEMOS AUXÍLIO JURÍDICO, NEM DEFENSORES PÚBLICOS.... TODO MUNDO QUERENDO NOS FODER... EU CANSEI, DESISTO DE DEFENDER UMA SOCIEDADE QUE SÓ ME FODE 24 HORAS POR DIA. SE ATUAMOS RESPONDEMOS POR ABUSO, SE NÃO ATUAMOS ESTAMOS PREVARICANDO... PORRAAAA QUE MERDA É ESSA??? ACABOU A BRINCADEIRA CACETE, TEM PAI DE FAMÍLIA MORRENDO.  E AQUELE SENHOR QUE TEVE SEU FUSCA INCENDIADO COM A FAMÍLIA DENTRO QUANDO PASSAVA POR UMA MANIFESTAÇÃO???? E ELE E SUA FAMÍLA???? QUERO VER QUANDO UM AMIGO PESSOAL OU UM PARENTE DO SENHOR TOMAR UMA ESTILETADA NO GOGÓ, UMA COQUETELZADA MOLOTOV NA CABEÇA E SAIR PEGANDO FOGO E MORRER ICENDIADO, DAI EU QUERO VER ALGUÉM FALAR QUE A PM DEVERIA TER FEITO ISSO OU AQUILO. PRA MIM, QUEM DEFENDE O CAPETA TRABALHA PRA ELE!!!!!"

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Para o mesmo completar: "Porra meu o cara nunca ensinou como deveríamos atuar, só falava que é pra perguntar pro travesti se ele quer ser chamado de senhor ou senhora. Porra o cara só defendo gente do lado errado, só quem faz merda!!! Enviados do capeta que vieram pra roubar, matar e destruir. Um dia ele será vítima de seu própria "criação" !!!!"

O tenente continua o desabafo:

"Exatamente! Durmi no barulho dele durante os tempos acadêmicos! Me formei e achei que o mundo era mil maravilhas, que com o diálogo poderíamos mudar o mundo! Dai certo dia eu fui dialogar com uma LADRÃO e ele me deu 4 tiros e eu dei 15 e acertei 13 nele. Porra só queria dialogar e o cara me senta o aço?!?!? Naquela data eu acordei. O mundo não é feito de diálogo porra nenhuma

Outro afirmou: "É facil falar mal... Falar dos mais de 20 PMS mortos esse ano só em São Paulo ele não fala. Tambem não vi nenhuma Comissão de DH em todos enterros que fui. Não me recordo se trabalhou na Secretaria de DH ou em alguma Comissão ou em ONG, mas sei que era da area. E NUNCA TE VI ajudar nenhuma familia vitima de algum crime ou familia de algum PM.

Um oficial adepto do Jiu-Jitsu também se manifesta: "Vergonha de ter tido um professor que defenda os baderneiros...que julgue ser certo a "manifestação" com baderneiros que todos já sabiam ser quem era!!! E outra, o direito de "gritar e espernear" (ou se manifestar) não lhes foi cerceado!!! Ninguem estava com as bocas amarradas!!! A ação foi extremamente legitima e legal. Agora se nosso "professor" (vergonha de dizer isso agora...) quer somente polemizar...paciência... Hoje inúmeros filhos órfãos de PM estão sem nenhum amparo desses que se dizem "Direitos Humanos"... Infelizmente Sr Dimitri Sales... desta vez você simplesmente nos decepcionou... E depois de tudo o que li acima concordo com todos...a postura duvidosa...o medo de realmente AGIR e ficar só falando mal dos outros...a campanha eleitoreira...não duvido de nada disso...triste...vamos mudar o nome dos "Direitos Humanos" para "Direitos dos Manos"...ou Direitos do que é errado"...

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As mágoas não param de aflorar. Sentimento que também parece contagiar a tropa, como vemos nas atitudes destemperadas dos policiais nas ruas. Outro tenente afirma:

"SIM! Porque até eu, COM MINHA FORMAÇÃO TÃO INFERIOR, aliás, qualquer um sabe: O GRUPO DOS BLACK BLOCKS É UMA ARTICULAÇÃO POLÍTICA!!! Recebem para fazer isso, ESTAMOS EM ANO ELEITORAL... logo: 1) Se a Polícia aguarda o início da manifestação violenta e age, É REPRESSORA; 2) Se a Polícia deixa que quebrem tudo, É OMISSA; 3) Se age preventivamente, contendo um grupo que TODOS NÓS (SEM HIPOCRISIA) sabíamos que iria SE MANIFESTAR DE MANEIRA VIOLENTA, o senhor fica MAGOADO e CRUCIFICA A CORPORAÇÃO QUE ABRIU AS PORTAS DE SUA ACADEMIA DE OFICIAIS, CONCEDENDO-LHE A CADEIRA DE MESTRE DE DIREITOS HUMANOS; Pelo que vejo, o coro "CHAMEM O BATMAN DA PRÓXIMA VEZ" soa cada vez mais alto e com mais clareza!!!"

No final, os oficiais cobram a manifestação do ex-professor. Dão risadas. Lembra um ambiente escolar, marmanjos com um sadismo infantil, reunidos para humilhar aquele que deles discordam. Como se a crítica não fizesse parte do processo de melhoria. O professor se sentiu acuado e informou a Secretaria de Segurança Pública sobre o ocorrido. A Secretaria foi notificada e vai pedir para a PM que analise a situação.

A emoção e o destempero dos policiais não contribuem em nada para a eficiência e a legitimidade dos trabalhos da PM durante os próximos atos nas ruas. O 3º ato contra a Copa ocorre dia 13 de março às 18 horas no largo da Batata. Mais de 8 mil pessoas estão confirmadas. Muita torcida para que haja calma e respeito entre todos os que estiverem no local.

 

 

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