Croácia se classifica com folga. Brasil e México disputam a segunda vaga. Na Copa dos Direitos Humanos

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Por Bruno Paes Manso
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 Foto: Estadão
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O hino "Sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor" vem sendo um dos hits dos torcedores da seleção nacional nas últimas copas. Quando ouço a música no meio do grupo, fico constrangido, em silêncio, e tento sair de fininho. Imagino que esse meu mal estar seja produzido pelos mesmos traços de personalidade que me fizeram virar jornalista. Um ceticismo talvez exagerado, mas que surge espontaneamente. Funciona bem nessa profissão de jornalista, em que temos o dever de sermos espírito de porco, no contra fluxo do ufanismo que paralisa e na contra mão do senso comum. Já dizia Millôr que jornalismo tem que ser de oposição, se não for é bazar de secos e molhados.

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Orgulho de ser brasileiro por que? Vejo minha nacionalidade mais como uma cruz que eu tenho que carregar até a morte, uma espécie de karma, uma fatalidade na minha história pessoal que ajuda a me explicar quem eu sou. Algo do qual não consigo escapar. Só me resta aceitá-la, seja lá o que isso signifique para a formação de meu espírito.  Se fosse para eu me orgulhar de uma nação, contudo, comparativamente a outros países do mundo, o Brasil não estaria entre os primeiros lugares do ranking.

E já que estamos em época de Copa do Mundo, e já que falamos em ranking, pouco antes do começo da competição que os brasileiros mais amam, inclusive eu, por mais revoltado e envergonhado que esteja diante dos escândalos e da cara de pau de nossos políticos na organização do evento, vou  neste post falar de outra Copa, a dos direitos humanos, projeto organizado pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP, pelo Centro de Estudos Americanos de Cultura e Comunicação da USP, pelo coletivo Quilombação e pela Associação Nacional de Direitos Humanos (Andhep), coordenado pelo professor Vitor Blotta e pelo jornalista Dennis de Oliveira. Veja a capa do projeto abaixo e faça o download do texto completo.

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A Copa dos Direitos Humanos ajuda a medir a qualidade dos regimes políticos em diferentes países. Quanto mais democrático um País, quanto mais fortes seus laços socais, quanto maior a solidariedade e o respeito entre sua população, quanto menor as desigualdades sociais, quanto maior o respeito às diferenças, mais motivos seus habitantes têm para se orgulhar da sociedade que construíram.

O Brasil ainda engatinha nessa trajetória rumo à construção de uma sociedade mais justa. Considerando os países que integram o grupo do Brasil na primeira fase, aliás, estamos em situação intermediária. Caímos em uma chave relativamente fraca e, mesmo assim, lutamos para conseguir vaga na segunda fase da competição. Entre os que mais respeitam os direitos humanos, Croácia passa em primeiro lugar com folga. República dos Camarões fica na lanterna, com zero pontos e nenhum gol marcado. Brasil disputa gol a gol o segundo lugar com o México. Mas creio que uma análise mais aprofundada garante ao México a vaga na segunda fase. Não são consideradas a tortura e a violência informal das autoridades, o chamado "caixa 2", que não aparecem nos registros. Diga-se de passagem temos nas polícias especialistas em bater, matar e depois apagar os rastros.

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Para se chegar aos resultados  na Copa dos Direitos Humanos são somados pontos relacionados aos direitos civis e políticos (pena de morte, taxas de homicídio por 100 mil habitantes, liberdade política e individual e liberdade de imprensa e da internet), direitos econômicos e sociais (Índice de Gini para medir desigualdade social e Índice de Desenvolvimento Humano), direitos ambientais (emissões de gás carbônico), direitos de diversidade e respeito à diferença (legalidade e punição para relação entre pessoas do mesmo sexo, casamento civil ou substitutos, permissão de gays e lésbicas nas Forças Armadas).

Uma das economias mais fortes entre as ex-repúblicas Iugoslavas, integrante da União Europeia desde o ano passado, a Croácia dá um banho em seus concorrentes no grupo A, mesmo depois de ter passado por uma guerra de independência sangrenta no começo dos anos 1990. Assim como o México e Brasil, hoje a Croácia é considerado um país que garante plena liberdade política e individual aos seus habitantes. Em compensação, possui as taxas de homicídios mais baixas, com 1,4 assassinato por 100 mil habitantes, bem menor do que as taxas brasileiras (21 por 100 mil), mexicanas (23 por 100 mil) e camaronesas (19 por 100 mil). O país africano, contudo, de acordo com o Map of Freedom deste ano, numa escala de liberdade de 1 a 7, ganha nota 6, o que significa baixíssimo nível de liberdade e direitos políticos.

Em relação aos direitos sociais e econômicos, o Brasil (85ª posição no ranking) faz feio nas comparações entre o Índice de Desenvolvimento Humano, ficando atrás da Croácia (47°) e do México (61°), ganhando apenas dos Camarões (150º). Á situação piora em relação à desigualdade: o Brasil perde de todos, até mesmo para Camarões, que distribui igualmente sua pobreza.

Brasil e México emitem quase a mesma proporção de gás carbônico na atmosfera, total quase dez vezes maior do que a Croácia. Finalmente, México, Brasil e Croácia garantem direitos a gays e lésbicas, apesar de no país europeu o casamento de pessoas do mesmo sexo confira direitos inferiores ao casamento entre homens e mulheres. Perde, inclusive, para Brasil e México. No caso dos Camarões, a relação entre homossexuais é ilegal e leva os envolvidos à prisão. A Copa não mede o racismo na sociedade, o que provavelmente deixaria o Brasil em situação desconfortável, considerando-se a baixa proporção de pardos e negros em postos de comando. Sem falar das discriminações dissimuladas e explícitas no cotidiano dos negros.

Retomo, afinal, a pergunta: orgulho de ser brasileiro por que? Ah, lembrei: segue abaixo o vídeo de uns caras que me dão um orgulho tropicalista quando os assisto desarmado de minhas defesas racionais.

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