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Análise: Aspectos principais da nova lei que aperfeiçoa a arbitragem no Brasil

Por Bruno Miragem*

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Por Marco Antônio Carvalho
Atualização:

O instituto da arbitragem no direito brasileiro vem tendo uma trajetória marcada pelo sucesso em muitos setores. Na atividade empresarial, por exemplo, é pela arbitragem que se resolve expressiva parcela dos litígios envolvendo questões de grande repercussão, constituindo-se em solução alternativa efetiva à demanda judicial tradicional. A indicação de árbitros para decidir a questão - ao invés de recorrer-se ao Poder Judiciário - oferece ganhos de tempo (é mais rápido!), permite que a decisão venha de alguém com dedicação maior, ou mesmo conhecimento especializado no tema em disputa (é mais eficiente!), do que o ingresso de uma ação judicial e a exigência de um longo percurso nas várias instâncias e tribunais.

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No Brasil, a arbitragem é disciplinada desde o final do século passado pela Lei 9307/96, que ora foi alterada pela Lei 13.129, de 26 de maio de 2015. Estas alterações, do que está se chamando "Nova Lei da Arbitragem", não chegam a ter abrangência para que seja chamada de uma "nova lei". A rigor, trata-se do aperfeiçoamento da legislação já existente, e em especial, a inclusão de novas hipóteses de cabimento da solução arbitral. E neste ponto é que acabou gerando maiores controvérsias.

Nova lei aperfeiçoa direitos previstos por legislação já vigente e inclui novas hipóteses de cabimento da solução arbitral. Foto: Freeimages.

Tendo sua origem no trabalho de comissão de especialistas nomeada pelo Senado Federal, presidida pelo Ministro Luis Felipe Salomão, a versão originalmente aprovada dispôs de aspectos procedimentais da maior importância, como é o caso da expedição de carta arbitral, e das medidas cautelares promovidas pelas partes perante o Poder Judiciário, para tratar de tema objeto do processo arbitral. Esta era questão que gerava sensível debate frente à garantia constitucional de inafastabilidade do acesso à justiça. Definiu a nova lei, que a interposição de medidas cautelares perante o Poder Judiciário só terá lugar quando ainda não estiver instituída a arbitragem. E que cabe aos árbitros, uma vez instituída a arbitragem, decidir pela manutenção, revogação ou modificação da medida judicial.

A decisão de veto é amplamente justificada. Sabe-se que nas relações de consumo os consumidores são parte vulnerável, titulares de proteção legal em boa parte indisponível"

Mas o tema de maior controvérsia se deu em relação às hipóteses em que se autoriza a arbitragem em relações jurídicas diferenciadas, como é o caso daquelas em que um dos litigantes é órgão ou entidade da administração pública, e ainda nas relações de consumo e nas relações de trabalho. A arbitragem envolvendo órgãos ou entidades da administração pública, foi admitida expressamente pela nova lei, quando se trate de direitos patrimoniais disponíveis. Superou-se, assim, o argumento que indicava a impossibilidade da arbitragem que envolvesse órgãos e entidades da administração pública, com fundamento na indisponibilidade do interesse público.

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Em relação à arbitragem em relações de consumo, a partir de cláusula compromissória estabelecida em contrato de adesão,  a regra aprovada pelo Congresso Nacional, admitindo a solução arbitral "se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar expressamente com a sua instituição", foi objeto de veto presidencial.  A decisão de veto é amplamente justificada. Sabe-se que nas relações de consumo os consumidores são parte vulnerável, titulares de proteção legal em boa parte indisponível. O próprio Código de Defesa do Consumidor prevê entre as cláusulas consideradas abusivas, as que "determinem a utilização compulsória de arbitragem". Dizer-se que só teria lugar quando o consumidor tomasse a iniciativa ou concordasse com a arbitragem, não é suficiente. Sendo vulnerável, nada assegura a pleno conhecimento sobre seus direitos, tampouco o modo como seria instituída ou como seriam indicados os árbitros.

O mesmo se diga em relação à exigência de que a cláusula compromissória deveria estar em negrito ou em instrumento apartado. Trata-se de argumento desmentido pelos fatos. O que vale não é só o texto do contrato em negrito, mas o momento em que seria apresentado ao consumidor, se teria ou não tempo de ler, ou plenas condições de interpretar e compreender seu conteúdo. Vale lembrar que largo contingente de consumidores brasileiros tem pouca ou nenhuma instrução jurídica, sem falar de outras falhas de formação educacional. Admitir-se a arbitragem, nestas condições, seria claramente diminuir o nível de proteção que o direito brasileiro oferece ao consumidor.

No caso do veto presidencial à possibilidade de cláusula compromissória em contratos individuais de trabalho de empregados que ocupem ou venham a a ocupar cargo ou função de administrador ou de diretor estatutário, também merece reflexão. Fosse admitida a arbitragem apenas em relação àquele contratado para cargos de administração, sobretudo executivos, existiriam argumentos a favor da medida. Contudo, dois aspectos parecem justificar o veto: primeiro, porque faz referência a quem ocupe ou "venha a ocupar". A rigor, muitos empregados são contratados em níveis mais baixos da estrutura da empresa e apenas eventualmente chegam a cargos de direção, normalmente na fase final da carreira. Não se pode dizer com isso, que reduzem ou eliminam sua hipossuficiência em relação ao empregador e seu poder de direção da relação de trabalho.

Por tudo isso, são justificados plenamente os vetos. Porém, não retiram da Lei 13.129/2015 importantes avanços, que deverão contribuir para o bom lugar que ocupa a arbitragem deve ocupar, de modo cada vez mais eficiente, no direito brasileiro.

*Advogado, professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, presidente do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor - Brasilcon.

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