- Vou ali no quarto e já volto - ele avisou.
Foi só quando o ano acabou que pôde, finalmente, parar durante aqueles dois ou três dias e tentar colocar as coisas em ordem. A casa em ordem para receber as visitas que chegariam de longe, as contas em ordem para poder tirar uns dias, os presentes das crianças em ordem sob o pinheiro artificial, a gaveta do criado-mudo com as coisas que se acumulavam. A vida toda se colocava no prumo de alguma forma. É o que sobra de tempo, dizia. Nesse tempo é que finalmente respirava.
De sol a sol, todos os dias, a vida ia sendo engolida pelo tempo. Mal viu o tanto que tinha se passado nos últimos doze meses. As crianças cresceram, a barba cresceu e prateou, o cabelo caiu, as plantas regadas deram frutos, amigos partiram para longe, familiares partiram para sempre. Um novo bebê havia chegado.
No quarto, em silêncio, ele observava o bebê dormindo. O sol já caía lá fora, a noite chegava escura. As famílias faziam festa pela vizinhança e na sala havia toda aquela gente se alegrando e bebendo. Sua esposa, os filhos, os netos correndo ao redor da mesa tal como os dois sonharam um dia. Mas ele ali, parado, contemplava a criança.
A serenidade de um instante, a pureza toda, a vida como ela deveria ser, uma coisa de cada vez. Tudo era felicidade. Fez sua prece como gostava, sentado na cama e olhando através da janela para a imensidão azul sem fim do universo lá no alto.
No céu, uma estrela brilhava intensamente. Ele então lembrou e prostrou o espírito em reverência.
Enquanto houvesse a criança no berço, enquanto a estrela brilhasse, enquanto houvesse essa paz tão viva, haveria o Natal e a promessa de Deus para os homens. Renascia a esperança na alma. Renascia nele o menino.
- Pai - alguém sussurrava para o velho atrás da porta - vem comer. Está na hora da ceia.