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Madrugadas & Memórias

Os 88 anos do poeta Paulo Bomfim

Por Geraldo Nunes
Atualização:

O poeta fez aniversário em 30 de setembro último e uma festa surpresa aconteceu para ele na sede do Tribunal de Justiça, onde no lugar, como funcionário do órgão, dá expediente e faz de sua sala de trabalho quase uma segunda residência porque ali está sendo guardado todo o acervo que sua família preservou da Revolução de 1932. O pai médico atendia aos feridos de guerra, enquanto tios e primos foram à frente de luta. Já uma tia, Nicota Pinto Alves, depois de encerrado o movimento, cuidou da família dos exilados e foi homenageada com a honra de ser a primeira mulher a ser sepultada no Mausoléu do Soldado Constitucionalista, entre os heróis da revolução, no Ibirapuera.

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Na homenagem do tribunal estiveram presidente vários amigos entre os quais os atores Lima Duarte e Juca de Oliveira que interpretaram seus poemas e, como ilustração, foi exibido um filme que o homenageado não mais se lembrava de sua posse na Academia Paulista de Letras, em 1960, com a presença de Ibrahim Nobre, o grande tribuno da revolução, pessoa a quem poeta dedica especial veneração. Poucos devem saber mais sobre São Paulo e sua história do que esse artífice de palavras aclamado "Príncipe dos Poetas Brasileiros". Humildemente, entretanto, guarda muita informação consigo ou atribui a terceiros um saber maior a respeito de fatos marcantes ligados à terra bandeirante. Além disso, conviveu com personalidades que ajudaram a escrever a história paulista.

Paulo Lébeis Bomfim tem recordações da São Paulo de sua infância e são muitas, uma delas de Vila Buarque, na casa da Rua Rego Freitas, 59, onde morou quando pequeno e que no seu entender era quase um "centro cultural", que girava em torno das tias Cecília e Magdalena Lébeis, que mantinham contato com intelectuais como os poetas parnasianos Coelho Neto e Martins Fontes, que Paulo chegou a conhecer embora menino, além de Guilherme de Almeida e do maestro Heitor Villa - Lobos, ao qual Magdalena, pianista, foi uma de suas grandes intérpretes. "Daquele bairro que conheci nada mais existe a não ser a Igreja da Consolação, única referência ainda viva dos meus dias de menino", nos disse certa vez o poeta.

Ajudando resgatar essas lembranças a historiadora Ana Luiza Martins se pôs a compilar as crônicas e as poesias de Paulo Bomfim preparadas ao longo de sete décadas e as inseriu em "Insólita Metrópole" (Ateliê Editorial), livro publicado em 2013, onde casos interessantes são descritos, alguns dos quais ouvidos pessoalmente dele.

Em uma reportagem para a Rádio Eldorado no Cemitério da Consolação, entrevistando o especialista em memória cemiterial, Délio Freire dos Santos, o poeta seguiu a meu lado complementando as informações sobre pessoas ilustres ali sepultadas. Após a gravação, Paulo me contou que quando vai a esse cemitério, deixa uma rosa para a marquesa de Santos, sobre o túmulo onde ela descansa. "Certa vez quando eu depositava uma flor para dona Domitila, vi uma preta velha ajoelhada rezando. Ela virou-se para mim e perguntou se eu era devoto da marquesa. Eu disse que sim e ela me falou que havia recebido um milagre dela porque pediu à marquesa que intercedesse junto ao professor Pietro Maria Bardi, então diretor do Museu de Arte de São Paulo, que autorizou uma exposição dela no Masp. A mulher estava lá pagando a promessa".

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Paulo Bomfim conviveu com Anita Malfatti que pintou seu rosto em 1946, para a capa de seu primeiro livro, Antonio Triste, com prefácio de Guilherme de Almeida. Mário de Andrade frequentou sua casa na Vila Buarque quando ele era menino e ao vê-lo, certa vez, com seis anos de idade, caminhando com a mãe pelo antigo Viaduto do Chá, cujo piso era de madeira, brincou e disse: "Vamos precisar de você para entregar cartas aos soldados na batalha constitucionalista". Paulo diz que ficou eufórico com o convite e passou a pedalar intensamente seu triciclo. "Eu acreditava que aquilo me deixaria forte a ponto de começar logo a fazer as entregas". Poucos anos depois Mário foi a uma festa de Ano - Novo da família e tudo parecia meio desanimado. "Foi então que ele puxou um cordão pela sala, as tias na frente e eu criança no fim da fila e ficamos todos alegres ao final." Outra coisa que o poeta disse não esquecer foi o dia em que Mário de Andrade morreu. "O velório aconteceu na casa dele, na Rua Lopes Chaves e Leonor Aguiar, uma mulher inteligentíssima que declamava russo, entrou com uma roupa e quando se aproximou do caixão resolveu trocar. Tirou o vestido, ficou de combinação na frente do morto e de todos os presentes e colocou outro sem a menor cerimônia".

Fez seus estudos no tradicional Colégio Rio Branco e um de seus colegas de sala de aula, no primeiro ano do antigo curso primário, foi o empresário Antonio Ermírio de Moraes. A primeira professora dos dois foi dona Soledad pela qual tinham muito carinho e com quem mantinham um contato carinhoso que se estendeu pelo restante da vida dela. Vez por outra, já adultos, mandavam bilhetinhos carinhosos à professorinha que em um determinado dia pediu que eles comparecessem à sua casa. Os dois para lá foram e preocupados acreditavam tratar-se de algum problema de saúde, achando que a antiga mestra precisava de ajuda, mas para a surpresa não foi bem isso. Ela cobrou atenção de Paulo Bomfim e Antonio Ermírio pela forma "desleixada" como eles estavam escrevendo e saiu dizendo: "Tenho lido os bilhetes que vocês me mandam e percebo que a letra de vocês está cada vez pior. Quero que vocês venham aqui mais vezes para que eu possa dar novamente a vocês, aulas de caligrafia."

Na infância Paulo Bomfim frequentou a Biblioteca Infantil da Vila Buarque onde pegou gosto por escrever e lá se tornou poeta, mas não sabe bem por quê. "A poesia me procurou e não eu a ela", costuma dizer. Em seu primeiro livro escreveu, "...lembrava-me de um balão que, multicor, se vê no firmamento, não se sabe donde veio, não se sabe aonde vai, não era velho, não era moço, não tinha idade, ... Antônio Triste."

Como não se vive só de poesia, Paulo Bomfim se tornou jornalista, se destacando a partir da década de 1950, nos Diários e Emissoras Associados, do empresário Francisco de Assis Chateaubriand, o Chatô. Na TV Tupi apresentou o "Mappin Movietone", um noticioso que precedeu no formato ao Jornal Nacional. Teve ainda outro programa, "Universidade na TV", que foi ao ar na TV Cultura que pertenceu aos Associados. O poeta publicou durante anos uma crônica semanal no "Diário de São Paulo", passando depois para o Correio Paulistano e Diário de Notícias e assina agora uma coluna no jornal forense "Tribuna do Direito", mantendo-se assim na ativa. Dessas publicações a historiadora Ana Maria Martins retirou as crônicas que compõem o novo livro. Nele, em sua sensibilidade poética, Bomfim procura dizer de seu amor pela cidade de São Paulo explicando que, "o corpo de São Paulo foi formado pelo sangue e a carne de João Ramalho e Bartira, filha de Tibiriçá. O pensamento é de Manuel da Nóbrega, mas a alma é de José de Anchieta. Já o governo veio de Santo André, a vila dos parentes de João Ramalho".

Na vida boêmia Paulo conheceu a Praça Marechal Deodoro antes que o Minhocão a deteriorasse e diz que ali costumava encontrar amigos, entre eles o Quincas, irmão do cantor Nelson Gonçalves, o próprio Nelson, vez em quando e Abelardo Pinto, mais conhecido como o palhaço Piolim. Do meio artístico também foi amigo de Aracy de Almeida, a cantora que melhor interpretou as canções de Noel Rosa. Ele conta que recém-casado com Emy (Emma Gelfi Bomfim) recebeu Aracy em sua casa modesta. "Ela disse que se sentia triste no hotel e me pediu para passar uns dias em casa", contou Paulo acrescentando que não houve dúvidas, as crianças deixaram o quarto e ela se instalou nele e foi ficando. Voltava das boates de madrugada e ficava fazendo interurbanos intermináveis para o Rio de Janeiro e assim ia até o amanhecer. Quase três meses depois trouxe uma arara que ganhou de presente na boate Jangada, levou o bicho para o quarto e com o bico a arara começou a morder os móveis. "Não aguento mais!" E o poeta expulsou a ave e como resultado ouviu de Aracy: "Se é assim, também me retiro". Foi a única vez que o refinado Paulo Bomfim admite ter perdido a paciência. Mas sobram-lhe qualidades, por exemplo: Duvido que alguém já tenha ouvido ele falar mal de alguma pessoa, se tiver que elogiar, aí sim, mas prefere ficar calado a ter que criticar. Paulo Bomfim é um homem extremamente bom e muito amigo também. Se houvessem mais pessoas como ele o mundo seria melhor. Para finalizar, sua poesia respira cidade.

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Minha Insólita Metrópole (Paulo Bomfim)

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Minha insólita metrópole, capital de todos os absurdos! Música eletrônica em fundo de serenata, paisagem cubista com incrustações primitivas, poema concreto envolto em trovas caboclas. Cidade feita de cidades, bairros proclamando independência, ruas falando dialetos, homens com urgência de viver. Oceano feito de ilhas. Ilhas chegando, ilhas sangrando, ilhas florindo. Os céus cansados do concreto que arranha. Cresce o mar das periferias. No barco dos barracos navega um sonho. No fundo de cada um dos cidadãos do mundo, dorme a província. Ali a velha igreja com seu campanário esperando a mantilha da noite. Anúncios luminosos piscam obsessões. O asfalto é irmandade de credos. No centro, todos os vícios e todas as virtudes convivem nas esquinas da São João. Os domingos são quadrados. Cabem dentro da tela de cinema, do aparelho de televisão, da página do jornal, do campo de futebol. O metrô é mergulho no inconsciente urbano. Nele o mesmo silêncio dos elevadores. Convívio de sonâmbulos, de antípodas da fila de ônibus e do trem de subúrbio onde há tempo para o cansaço florir num sorriso. Aqui o verde é esperança cobrindo o frio de existir. Teatros e o ballet da multidão, museus contemplando o quadro dos que se agitam, orquestras e a sinfonia de uma época em marcha. Nestes tempos modernos, Carlito operário ou estudante, comerciário ou burocrata, é técnico em sobreviver. Planalto dos desencontros, porto dos aflitos, rosa de eventos onde até o futuro tem pressa de chegar. Mal-amada cidade de São Paulo, EU TE AMO!

Serviço: INSÓLITA METROPOLE - SAO PAULO NAS CRÔNICAS DE PAULO BOMFIM Formato: Livro Organizador: MARTINS, ANA LUIZA Baseado vida/obra: BOMFIM, PAULO Idioma: PORTUGUES Editora: ATELIÊ Assunto: LITERATURA BRASILEIRA - CONTOS E CRÔNICAS Preço: R$ 78,00

Ouça o programa Estadão Acervo: http://radio.estadao.com.br/busca/acervo

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