O semeador de cerejeiras

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 Foto: Estadão

Por Vitor Hugo Brandalise Foto de Werther Santana/AE 

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São 1,5 mil cerejeiras floridas, cercadas por um paredão de pinheiros americanos no Parque do Carmo, em Itaquera, zona leste da capital. Oferecem espetáculo raro, apenas nesta época do ano - frágeis pétalas se desprendem com o vento e causam revoadas de flores rosas e brancas. São visitadas de manhã cedo e no fim da tarde, geralmente por grupos de jovens, ou casais de idosos. E são "quase parte da família" de um homem tímido e determinado, que ajudou a plantar as árvores em 1977, bem antes de o conjunto se tornar o maior bosque de cerejeiras do Estado.

Desde que ajudou o pioneiro Katsuotoshi Matsubara - idealizador do bosque - a plantar as primeiras 300 cerejeiras do parque, o agricultor Patrício Yoshioka, de 70 anos, dedica parte do seu tempo a cuidar das árvores. Tudo em nome da tradição: a flor da cerejeira (Sakura) é um dos símbolos do Japão, onde nasceram pai, mãe e todos os antepassados do agricultor.

O trabalho, voluntário, é realizado com um grupo de outros integrantes da Federação de Sakura e Ipê do Brasil. "Acompanhamos as árvores semana a semana, podamos, adubamos, tratamos. Tudo para passar adiante um legado bonito", disse Patrício, diretor técnico da Federação, e conhecido como "agrônomo" e "botânico", mesmo sem formação. Entre os integrantes da entidade, o paulistano, que nasceu e sempre viveu em Itaquera, é o único remanescente do grupo que plantou as árvores.

Além de raro, a florada é espetáculo efêmero: as cerejeiras florescem uma vez ao ano, por 15 dias. Para comemorar, desde 1978 é realizada no Parque a Festa das Cerejeiras em Flor - tão prestigiada que, neste ano, pela primeira vez haverá dois dias de evento (começou ontem e continua hoje). "O público cresceu e percebemos que poderíamos oferecer mais atrações para celebrar as flores", comemorou o presidente da federação, Pedro Yano.

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Na tradição japonesa, as Sakura simbolizam brevidade e fragilidade - são associadas ao samurai, guerreiro de vida efêmera, como a flor. "Também são símbolo da paz esperada em nossa terra. No caso, Japão e Brasil", ensina o agricultor, que, mesmo com as flores ainda ali, já pensa na florada do ano seguinte. "Sigo o relógio da natureza. Na primeira chuva após a florada, temos de adubar. É o momento de preparar as próximas flores."

Os planos da federação para as cerejeiras são ambiciosos: em maio, plantaram mais 1,5 mil mudas na colina vizinha ao atual bosque, para criar o maior conjunto de cerejeiras fora do Japão. "Difícil foi plantar as primeiras. Não sabíamos quais espécies sobreviveriam aqui", conta Patrício. Das 300 primeiras cerejeiras, da variedade Kanzashi, só duas continuam vivas. "Para mim, são as mais bonitas."

Discreto. Nas fotografias do plantio das primeiras árvores, Patrício aparece sempre ao fundo, atrás das autoridades que inauguraram os canteiros - e sempre com o olhar fixo nas cerejeiras. "É que depois de terminarem de plantar, eu corro para fixar a terra, com as mãos mesmo. Não é para aparecer. É pelas árvores."

Nos dias que antecedem a festa da florada, o Parque do Carmo ganha ar ainda mais oriental - onde mais seria possível encontrar mulheres com chapéus de agricultoras, colhendo folhas de cerejeira? É para produzir o Sakura Miti, doce de feijão azuki, enrolado com folhas de cerejeiras. Com um detalhe: não pode ser a primeira nem a quarta folha de um galho. Só servem a segunda ou a terceira. "A primeira é sempre muito nova, desmancha, não segura o doce", explica Michi Sakata, de 78 anos. "A partir da terceira, fica muito dura e amarga."

Cuidados com detalhes é marca desse grupo de descendentes de japoneses. Ao caminhar entre as árvores, os fiéis guardiães das cerejeiras já começam a trabalhar: tiram galhos secos, fazem pequenas podas, não dão sossego aos funcionários encarregados de cuidar do bosque.

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Em um passeio no parque, Patrício encontrou um jardineiro que se preparava para plantar outra cerejeira. O agricultor examinou o caule, sentiu as folhas, pensou por alguns segundos - e reprovou a cerejeira. "É da espécie Okinawa, não vai florescer", decretou. "Na minha chácara, tenho a variedade certa (Yukiwari, como as últimas 1,5 mil árvores plantadas). Vou trazer para cá." O agricultor o olhou fixamente. O funcionário nem discutiu. Meia hora depois, outra cerejeira da lavra de Patrício foi plantada no Parque do Carmo - na avaliação do agricultor, essa vai sobreviver.

Versão ampliada de perfil publicado na seção Paulistânia, no caderno Metrópole, em 07.08.2011.

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