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Espaços públicos, caminhadas e urbanidade.

São Paulo na virada do ano: o prazer de andar pela cidade vazia e silenciosa.

Por Mauro Calliari
Atualização:

A cidade vazia. Foto: M.Calliari

Quem ficou em São Paulo entre o Natal e o Ano-Novo, ganhou um presente:uma cidade vazia e silenciosa.

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Com quase 40% dos habitantes fora da cidade, o resultado é uma cenário quase esquecido: poucos carros, poucas motos,  poucos ônibus, pouca fumaça e, principalmente, pouco barulho.

Talvez os que ficaram na cidade tenham feito um pacto para falar mais baixo e evitar buzinar por aí, talvez estivessem todos cansados da maratona de final de ano e decidiram ficar em casa, o fato é que até na noite do Reveillon a cidade parecia mais calma que o normal. Saindo do show oficial da virada, a voz da Claudia Leitte foi diminuindo, diminuindo até que sumiu, a poucos quarteirões da Paulista.

Quem caminhou pelas ruas nessa semana ouviu  mais pássaros e conversas do que carros, motos e aviões.

Numa rua em Perdizes, ouvi pessoas conversando em voz baixa, sem ver ninguém. Intrigado, olhei para cima. Elas estavam numa varanda no terceiro andar. Numa praça na Pompéia, consegui ouvir duas meninas que brincavam com o cachorro a quase um quarteirão de distância. Sem competir com os motores, elas falavam em voz baixa - e o quadrúpede ouvia compenetrado suas instruções.

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Lojas fechadas são outra cena rara. Padarias, farmácias e supermercados parecem estar sempre abertos. Por isso foi tão admirável ver esses lugares fechados, por algumas poucas horas, numa lembrança de tempos em que nem tudo podia ser obtido instantaneamente. Sem carros disputando vagas, o trânsito e os manobristas sumiram. Até o delivery pareceu dar um tempo e eu não vi nenhuma moto passando por cima dos canteiros e furando os sinais para entregar a meia-calabresa meia-mussarela dentro dos 40 minutos regulamentares.

O feriado trouxe ecos dos tempos em que as comemorações da cidade eram institucionalizadas, em que os domingos eram para meditar e as noites para descansar.

Hoje, ao contrário, celebramos o fato de que há tantas cidades quantos grupos de interesses. Há sempre alguém que precisa de cópias impressas de trabalhos às quatro da manhã. Há os que dormem de dia e trabalham à noite. Há os artistas que saem de um teatro e querem comer bife à parmegiana de madrugada. Há os que trabalham cedissimo e inauguram o metrô às 4h40. Há os operadores de commodities, operando no fuso de Hong Kong ou Singapura.

Para cada desejo a ser satisfeito, há uma cidade, um negócio, um comércio, um horário, uma legislação e um aplicativo prontos a serem acionados.

A cidade acomoda todo mundo e atende a qualquer capricho. Parece inevitável que seja assim.

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Mas também é bom pensar que uma vez por ano, possamos nos encontrar sob a sombra boa e fresca do silêncio, das ruas vazias e da introspecção, e pensar no ano barulhento que vem por aí.

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