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Histórias de São Paulo

O país mudou. A imprensa mudou. Os políticos, não

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Por Pablo Pereira
Atualização:

O bom jornalismo é a busca constante e incessante pela verdade. É o trabalho de tornar público aquilo que está escondido, na sombra. É jogar luz sobre fatos, intenções, sempre que esses fatos e comportamentos sejam de relevante interesse público. É fiscalizar o poder, fustigar os agentes públicos, apertar políticos e expor contradições de modos de vida. Vale para o poder público (Executivo, Legislativo e Judiciário), mas vale também para a vida privada no que ela tem de impacto sobre o conjunto da sociedade.

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Esse conceito básico do jornalismo, abordado nos últimos dias em encontro da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) em São Paulo, embutido também no discurso de Arthur Sulzberger Jr, do The New York Times, que participou da reunião, é ensinado nas escolas de jornalismo e praticado nas boas casas do ramo no Brasil, como, aliás, reconheceu o presidente da entidade, Milton Coleman, do The Washington Post. Não há novidade nessa premissa defendida na SIP em São Paulo. Mas é sempre muito bom reafirmá-la.

A propósito desse debate, renovado nos idiomas português, espanhol e inglês na SIP, é bom olhar um pouco para a situação que está em foco neste momento na campanha eleitoral para a Prefeitura de São Paulo na qual se enfrentam dois projetos políticos, do PT e do PSDB.

Durante a redemocratização brasileira, o PT, nascido da enorme expectativa de massas excluídas pela economia dos anos de chumbo e pelo autoritarismo da ditadura militar, cumpriu seu papel democrático não só como ser uma instituição do novo regime brasileiro. Foi também de muita serventia em redações.

Muitos jornalistas, brasileiros e estrangeiros, que cobriram esse universo brasileiro nos anos 80, 90 e 2000 tiveram petistas como fontes. Aos poucos os representantes de oposição penetravam nas estruturas formais, principalmente pela via do Legislativo, dominadas pelos velhos MDB e Arena - e depois por seus arranjos substitutos, PMDB, PFL.

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Esses novos atores políticos foram ferramentas relevantes para a prática do bom jornalismo e para o país abrindo portas para investigações, acesso a documentos, confrontando ideias. Assim funcionou com partidos revividos, como PSB, os PCs, e também com muitos tucanos, gente que também por anos batalhou contra o viés autoritário e pelo direito de perguntar - como costumava lembrar o paulista Mário Covas.

Pela via das urnas, felizmente, o PSDB virou governo - assim como o PT. E, segundo a esperança e a vontade popular, os partidos, amparados por seus desempenhos eleitorais, foram mudando a visão atrasada do coronelismo, do autoritarismo, da larga prática de assistencialismo que por décadas regulou a política brasileira e sustentou máquinas administrativas dependentes das estruturas de Estado.

O que ocorreu então, e que é natural no processo político, foi que o tamanho da expectativa do eleitor se revelou bem maior do que a capacidade dos partidos e seus agentes de entregar todo o prometido. E apareceram as frustrações, de parte a parte. Mas é preciso entender que isso tudo faz parte do processo democrático e que as urnas devem ser novamente oferecidas para que o eleitor faça revisões e reencaminhamentos que achar necessárias no decorrer do tempo. Aí está a riqueza da democracia. O caminho é a urna.

O PT, com seu gosto pelo aparelhamento revelou-se uma espécie de neo-PFL, um PRI mexicano de fala portuguesa - e por boa parte disso respondem atualmente no Supremo Tribunal Federal alguns dos seus principais líderes. Já o PSDB carrega consigo questões para as quais não consegue oferecer soluções efetivas. E sofre com uma fadiga de propostas, avaliação que, aliás, tem por pai um expoente tucano, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Voltando à questão da imprensa, foco da semana pós-SIP e pré-eleição, lembremos que quando ainda estava na oposição pura o PT carregava consigo setores mais ou menos tolerantes com a crítica. Para quem foi jornalista de política (ou acompanhou de perto o tema nos últimos 30 anos) houve momentos tensos na relação com personagens petistas.

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Qualquer pergunta que fosse feita fora da caixinha na qual estavam os pensamentos petistas era vista como coisa de inimigo. A crítica, segundo essa militância política fundamentalista, era feita para desestabilizar o PT. Um jornalista do próprio Times chegou a ser ameaçado de expulsão por reportagem sobre hábitos do presidente da República, Lula, o grande líder do petismo nacional.

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É óbvio que no jornalismo, como em qualquer setor, há preferências ideológicas à esquerda e à direita. Mas aqui trata-se de ver o momento da prática profissional do bom jornalismo, como um princípio da democracia, portanto, daquele momento regido pelo manual da boa conduta, da ojeriza ao venal, à desonestidade com o leitor.

Por muito tempo reportagens e perguntas, feitas de acordo com o manual do bom jornalismo, foram tachadas de instrumentos de sacanagem contra o PT. Essa prática de desqualificar o interlocutor, de jogar sobre o profissional insinuações de estar a serviço de interesses obscuros, é, em última análise, um desrespeito com a consciência do contribuinte. Assim também ocorreu durante o governo Fernando Henrique quando uma poderosa máquina de assessorias de imprensa, centralizada no Palácio do Planalto a pretexto de ajudar, organizar, funcionava na verdade como verdadeira barreira à livre circulação da informação - coisa que velhos jornalistas do Planalto diziam não ter vivido nem nos tempos duros do general Nini (Newton Cruz).

Recentemente, no episódio do julgamento do mensalão, foi a vez de o ex-deputado José Genoino, ex-presidente do PT, voltar aos tempos de desconfiança exacerbada. Achando-se injustiçado pelas notícias, perdeu a compostura e reagiu contra repórteres chamando-os de urubus, como se os jornalistas que o acompanhavam no dia da eleição paulistana fossem o cerne da questão - e não a conduta dele, julgada incorreta pelo Supremo.

Para terminar, nada mais fora de tempo do que creditar à imprensa a responsabilidade de atos equivocados dos agentes da democracia representativa. A imprensa é necessária. E não só em Cuba, como gostam de afirmar lideranças políticas que se dizem modernas. Aqui, também. Um país com imprensa livre é sinal de estabilidade, de civilidade, de democracia, de sociedade desenvolvida. Os políticos devem, sim, explicações públicas sobre seus atos. E devem, sim, esclarecer toda e qualquer dúvida que eventualmente apareça em relação a sua conduta.

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O trabalho dos profissionais de imprensa é perguntar, questionar, mexer em feridas. Fora disso é outra coisa, é propaganda. Se há divergência sobre uma determinada questão colocada no sagrado dever de perguntar de um jornalista, deve, sim, o político, agente público, manter-se à altura da cadeira que persegue e responder, esclarecer.

Tergiversar, fugir das questões, tentar tachar o jornalista de portador de intenções outras que não as de sua profissão é agir contra a sociedade. E insinuar que um repórter age em favor de um adversário, como também tem feito o candidato tucano José Serra, em mais de uma ocasião (no UOL; na Rádio CBN), como lembra artigo de Eugênio Bucci no Estado, e no debate Estadão/TV Cultura, acrescento, não é prática democrática, é truculência.

O país mudou. A imprensa vive dias de fortes transformações nos modelos de negócios e nas práticas de apuração e edição, mas sempre em busca da informação de qualidade, da prestação de serviço de alto nível às liberdades. Neste momento torna-se claro que para alguns petistas e tucanos a única verdade que lhes serve não é a do relevante interesse público, aquela premissa defendida na SIP. A verdade que a eles lhes convém é a deles próprios. E só.

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